Instrumentos e Procedimentos
Antropometria
A determinação do perfil da amostra e quantificação dos efeitos do TFC sobre a composição corporal foram realizadas pela medição da massa corporal (MC em kg), estatura (m), índice de massa corporal (IMC em kg/m2 ), percentual de gordura (%G), massa corporal magra (MCM em kg) e massa de gordura absoluta (MGA em kg). A MC foi medida em uma balança analógica (Filizola, Brasil) com acuidade de 100 g e capacidade até 150 kg.
A determinação da estatura se fez por meio do estadiômetro acoplado à balança com escala de 1 mm. Para a estimação do %G, utilizouse um adipômetro científico (Cescorf, Brasil), sendo utilizada a equação de Siri (1961) a partir do modelo de regressão de densidade corporal (g.mL-1 ) para três dobras cutâneas proposto por Jackson, Pollock e Ward (1980). As avaliações foram efetuadas no Laboratório de Cineantropometria da UFPB pelo mesmo avaliador, em horários padronizados (das 8h00min às 10h00min), estando a amostra em completo estado de repouso e trajando a mínima indumentária possível. Todos os instrumentos antropométricos utilizados se encontravam em condições de adequada conservação, manutenção e devidamente calibrados pelo Instituto de Metrologia e Qualidade Industrial da Paraíba (IMEQ-PB).
Avaliação nutricional
Com o objetivo de determinar possíveis diferenças do padrão de ingestão de alimentos entre os momentos pré e pós-treinamento, os hábitos alimentares da amostra foram avaliados antes de se iniciar o programa de TFC e logo após o seu término. Para tanto, aplicou-se o recordatório habitual de dieta (Fisberg, Slater, Marchioni, & Martini, 2005), no qual as voluntárias ficaram responsáveis em anotar todos os alimentos consumidos, quantificados em medidas caseiras, e seus respetivos horários durante um período de três dias, sendo dois deles referentes a dias de semana e um ao final de semana.
Ambos os grupos foram orientados a não alterar os hábitos alimentares durante o estudo. A partir do registro dietético e quantificação dos macronutrientes, foram calculados os valores médios de energia, em kcal, e os valores proporcionais de carboidrato, proteína e lipídios em relação ao valor calórico total da dieta consumida e à massa corporal. Para estes cálculos utilizou-se o software Nutrilife, versão 5G.
Treinamento funcional com cargas
O GE realizou o TFC por um período de 12 semanas, sendo executadas três sessões semanais em dias alternados em uma clínica de treinamento funcional lotada na cidade de João Pessoa – PB, Brasil. Como o local não apresentava infraestrutura para o treinamento de todo o grupo experimental em uma mesma hora, duas turmas foram criadas, tendo sessões de 50 minutos das 16h00min às 16h50min e das 17h00min às 17h50min.
O GC não recebeu intervenção e os pesquisadores não solicitaram aos seus componentes uma descrição das atividades realizadas nas 12 semanas correspondentes ao estudo. Em seu período de duração, o TFC foi realizado de forma subdividida, havendo inicialmente uma fase de adaptação e outra específica, como indica Campos e Coraucci (2004). A fase de adaptação teve duração de quatro semanas e a específica oito, sendo ambas caracterizadas por séries em circuito compostas por movimentos uni e multiarticulares, realizadas de forma que abrangessem o recrutamento dos grupos musculares dos membros inferiores, superiores e tronco.
Quanto aos exercícios, na primeira fase foram realizados oito de caráter neuromuscular, com execução de três séries de 15 repetições intervaladas por períodos de 60 segundos, e um exercício aeróbio executado de forma intermitente (pular corda) (dez séries de 60 segundos intervaladas pelo mesmo período de tempo). Por sua vez , o treinamento da fase específica apresentou dez exercícios executados em três séries de 15 repetições e com momentos de 30 segundos de descanso, e um exercício aeróbio caracterizado por movimentos feitos na forma de uma corrida sinuosa (15 séries de 60 segundos intervaladas pela metade deste período de tempo) (ver Quadro 1). Quadro 1 Exercícios e grupos musculares trabalhados nas fases de adaptação e específica do treinamento funcional com cargas
Foram utilizados os seguintes instrumentos, todos da marca Physicus (Brasil) e JVC (Brasil): seis arcos de 66 cm, dois pares de anilhas vazadas emborrachadas de 1 kg a 3 kg, duas barras metálicas horizontais de 1.20 m pesando 7.7 kg, duas bolas suíças, quatro colchonetes emborrachados com medidas de 81 × 47 cm, oito chapéus chineses com comprimento e altura de 5 × 19 cm, um par de pula corda, dois extensores para membros superiores e inferiores, duas Physioball de 1 kg, três pares de halteres emborrachados de 1 kg a 3 kg, três mini-camas elásticas com dimensões de 23 cm × 0.96 m, quatro steps de EVA com dimensões de 85 × 32 × 10 cm e três pares de tornozoleiras de couro de 1 kg a 3 kg. Para o controle da intensidade dos exercícios, utilizou-se a escala Rating of Perceived Exertion de Borg (1982), em que se determinou para as fases de adaptação e específica as faixas de classificação 13 (ligeiramente cansativo) a 15 (cansativo) e 16 (cansativo) a 17 (muito cansativo), respetivamente.
Se durante a execução dos movimentos a intensidade se encontrasse fora dos parâmetros estabelecidos, eram feitas reduções ou acréscimos de carga. Tratando-se do controle de intensidade do exercício, o uso das escalas de perceção subjetiva de esforço é inúmeras vezes questionado, porque sem os devidos esclarecimentos, o indivíduo avaliado pode apresentar erros de interpretação e entendimento, e ter suas cargas de treinamento sub ou superestimadas.
Sabe-se que o uso da escala de Borg em atividades caracterizadas pelo deslocamento de cargas ainda é limitada, no entanto, estudos já demonstraram a sua viabilidade (Day, McGuigan, Glenn, & Foster, 2004; Lagally, McCaw, Geoff, Medema, & Thomas, 2004; Monteiro, Simão, & Farinatti, 2005). No presente trabalho, optou-se pela perceção subjetiva de esforço devido à aplicação de testes de repetições máximas para estimação da carga ter se tornado inviável, uma vez que os extensores utilizados em alguns exercícios não exerceram tensão suficiente para as voluntárias alcançarem a falha concêntrica quando orientadas a executar sete a dez repetições, número que, segundo Whisenant, Panton, East e Broeder (2003), refere-se à margem de repetições considerada mais adequada para estimar os valores de carga a partir de testes submáximos de força.
Análise Estatística
Os dados foram analisados no pacote estatístico Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 16.0 para Windows. Inicialmente, a normalidade e homocedasticidade das variáveis de interesse foram testadas pelas provas de Shapiro Wilks e Levene. Em seguida, utilizou-se os testes t de Student independente e pareado para a comparação das médias inter e intra-grupos experimental e controle. Os dados foram expressos em valores de média e desvio padrão, e o nível de significância adotado foi de p < .05.
RESULTADOS
Os dados referentes às variáveis antropométricas do GE e GC antes e depois da realização do TFC estão dispostos na tabela 1. Os resultados indicam que o GE apresentou reduções significativas nos valores de %G (p < .001), enquanto que o GC (p < .001) teve seus níveis de MCM (p < .001), IMC (p < .001) e MC (p = .021) aumentados. Destaca-se que o incremento dos valores de IMC foi esperado, tendo em vista que a MC também aumentou.
Tabela 1 Valores médios e desvios padrão das variáveis antropométricas medidas antes e depois do treinamento funcional com cargas
Na tabela 2 são apresentados os valores médios e desvios padrão do consumo calórico e distribuição dos macronutrientes do GE e GC antes e depois do TFC. Primeiramente, os resultados do teste t de Student independente demonstram que antes do início do TFC, diferenças significativas inter-grupos foram observadas quando comparadas as variáveis valor energético total (VET) kcal (p = .040), proteínas % (p = .046) e lipídios g/dia (p = .004) e % (p = .023). Em contrapartida, quando comparados os valores do momento pós-treinamento, diferenças significativas não foram identificadas, sugerindo que os grupos, mesmo tendo recebido orientações para não modificarem seus hábitos alimentares, apresentaram alterações em suas dietas.
Tabela 2 Registro do consumo calórico e distribuição dos macronutrientes
Por sua vez, os resultados do teste t pareado indicam que após o treinamento, o GE apresentou valores significativamente maiores para as variáveis valor energético total (VET) kcal (p = .003) e kcal/kg (p = .004) e carboidrato g/dia (p = .000), enquanto o GC valores menores para as variáveis lipídios g/dia (p = .013), % (p = .006) e g/dia/kg (p = .016).
DISCUSSÃO
A determinação da composição corporal e identificação de mudanças nos valores dos componentes de gordura e massa magra são procedimentos de fundamental importância quando se objetiva avaliar as respostas adaptativas promovidas pela prática do exercício físico.
Neste sentido, o presente estudo visou analisar os efeitos do treinamento funcional com cargas sobre a composição corporal de mulheres destreinadas, em conjunto com a quantificação da distribuição dos macronutrientes na dieta habitual. Inicialmente, observou-se no momento pré-treinamento que o indicador antropométrico de saúde geral, IMC, apresentou-se para ambos os grupos (GE: 26.6 ± 4.2 kg/m² e GC: 25.7 ± 0.9 kg/m²) fora do padrão de saúde preconizado pela Organização Mundial da Saúde (World Health Organization, 1995), remetendo a um estado de sobrepeso dessas mulheres. Esses valores não são compatíveis a uma condição nutricional adequada, pois estão correlacionados a diversas complicações de ordem médica, social e psicológica causadas pelo acúmulo de gordura corporal (Bray, 2000).
Os dados referentes à avaliação nutricional demonstraram que no decorrer da pesquisa tanto o GE quanto o GC apresentaram alterações nos valores dos macronutrientes ingeridos diariamente, apesar de estes estarem de acordo com os valores de referência Dietary Reference Intake (Institute of Medicine of the National Academies, 2005). Quanto a esses dados, ao serem analisados conjuntamente as alterações de composição corporal, resultados relevantes foram encontrados, uma vez que o GE, mesmo acentuando significativamente os valores de consumo energético (VET) e de carboidratos, demonstraram diminuição no %G. Por outro lado, o GC apresentou-se em uma situação contrária, tendo a ingestão de lipídios reduzida e MC, IMC e MCM aumentados.
Como resposta à prática do exercício físico, alterações na composição corporal se relacionam diretamente à característica da atividade realizada, bem como à dinâmica de dispêndio e consumo calórico (Hill, Melby, Johnson, & Peters, 1995). Estudos indicam que o treinamento aeróbio pode ser empregado eficazmente na redução ou controle ponderal, devido ao impacto causado sobre o balanço energético, diminuindo-o, e por promover acréscimos no dispêndio ou na oxidação lipídica, além de contribuir na manutenção do padrão alimentar (Hill & Commerford, 1996; Lee, Sedlock, Flynn, & Kamimori, 2009). Quanto ao exercício de força, investigações associam reduções na gordura corporal ao consumo excessivo de oxigênio pós-exercício (Excess Post-Exercise Oxygen Consumption, EPOC) (Melanson et al., 2002) e a aumentos na taxa metabólica de repouso provenientes de maiores níveis de massa muscular (Bryner et al., 1999).
Em relação ao TFC, respostas conclusivas não são encontradas quando a sua prática é associada a alterações na composição corporal, uma vez que investigações que abordam essa temática buscam predominantemente analisar as consequências da sua prática em variáveis neuromusculares (Peate et al., 2007; Spennewyn, 2008). Hibbs et al. (2008) destacam que o TFC, mesmo sendo considerado foco de investigações realizadas desde a década de 1980 e promover benefícios sobre a aptidão do músculo esquelético e estrutura articular em humanos, ainda é contestado devido à ausência de padronização no que diz respeito à sua forma de execução, que se difere de acordo com o contexto em que é aplicado.
Assim, quando direcionado à reabilitação física de lesões associadas aos membros superiores, inferiores e coluna vertebral, que acabam impossibilitando a população de realizar atividades do cotidiano, maior ênfase é destinada ao aprimoramento da coordenação e controle motor. Em contrapartida, nas situações em que se objetiva utilizar o TFC na preparação física de atletas cujas modalidades desportivas caracterizam-se pelo rápido deslocamento corporal e/ou de cargas externas, a força máxima, conjuntamente à estabilidade das articulações do tronco e quadril em decorrência da atuação das musculaturas agonistas e antagonistas, é priorizada (Leetun, Ireland, Wilson, Ballantyne, & Davis, 2004).
Quanto ao método de treinamento, no presente estudo o TFC foi realizado em forma de circuito combinado, havendo tanto a execução de exercícios de força com deslocamento de cargas, como aeróbios, em que intervalos de 60 segundos foram estabelecidos de um exercício para outro. Sobre esse método e sua relação com a composição corporal, estudos recentes demonstram que reduções de gordura corporal são observadas apenas nas situações em que o treinamento em circuito está associado a dietas hipocalóricas (Fett et al., 2009; Kerksick et al., 2009), não havendo constatação de alterações significativas na massa corporal magra. Em partes, os dados apresentados por Fett et al. (2009) e Kerksick et al. (2009) corroboram com os nossos resultados, tendo em vista que reduções de MGA e manutenção dos valores de MCM no GE foram observadas.
Contudo, dietas hipocalóricas não foram prescritas. Dias et al. (2006), por sua vez, ao compararem os efeitos de diferentes programas de exercício nos quadros clínico e funcional de mulheres com excesso de peso, constataram que as voluntárias que realizaram um treinamento combinado composto por exercícios de força em circuito e atividade aeróbia em esteira e bicicleta ergométrica apresentaram maiores níveis de redução de MGA e aumentos de MCM, quando comparadas ao grupo de mulheres que realizou treinamento de força isolado. Igualmente aos resultados do presente estudo, Dias et al. (2006) não constataram reduções estatisticamente significativas de MGA no primeiro grupo de mulheres; no entanto, quando os valores são analisados na forma de percentual de gordura, a significância estatística foi observada. Quanto aos aspetos alimentares, é pertinente destacar que esses autores prescreveram dietas para as voluntárias, procedimento que pode explicar os resultados encontrados referentes à composição corporal.
CONCLUSÕES
Independentemente das divergências que caracterizam o TFC, os resultados encontrados no presente estudo indicam que mesmo havendo aumentos nos valores de ingestão de certos macronutrientes, o TFC promoveu reduções nos níveis de gordura corporal, demonstrando ser uma prática recomendada para os indivíduos que buscam alcançar esse tipo de resposta ao exercício físico. Quanto à MCM, o TFC demonstrou não promover aumentos significativos nos valores desse componente, permitindo, como inferência aos resultados de outras pesquisas, sugerir que não causa respostas adaptativas de hipertrofia muscular similares às proporcionadas pelo treinamento de força, quando avaliadas populações de indivíduos fisicamente inativos (Campos et al., 2002; Tanimoto et al., 2008; Wernbom, Augustsson, & Thomeé, 2007) Embora a realização de outras pesquisas longitudinais seja requerida, estando as mesmas apropriadas de métodos que permitam uma análise criteriosa e um maior controle das variáveis que determinem os efeitos do TFC sobre a composição corporal, a proposta do presente estudo torna-se pertinente a partir do momento em que busca contrapor ou reafirmar os fundamentos que têm norteado a prescrição desse tipo de treinamento.
Como sugestão para futuras pesquisas, indica-se a realização de investigações com um maior número de sujeitos, caracterizados diferentemente quanto ao sexo, idade e nível de treinamento. Além disso, é importante analisar outras variáveis indicadoras de alterações na composição corporal, sejam elas expressas por respostas agudas ou crônicos ao exercício físico, como os valores de consumo excessivo de oxigênio pós-exercício e da taxa metabólica de repouso.
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