A transição da atividade física no Brasil
A inclusão da atividade física em inquéritos de saúde é um fato recente e resultados de levantamentos periódicos são ainda raros e disponíveis para poucos países, com destaque para os Estados Unidos, que desde 1986 coletam informações sobre atividade física que permitem análises de tendência. Segundo um estudo de revisão, os poucos estudos disponíveis sugerem que a atividade física vem diminuindo no contexto do trabalho, enquanto, por outro lado, a participação em atividades físicas de lazer vem aumentando. Tais observações não podem ser extrapoladas para os países em desenvolvimento. uma vez que a maior parte destes estudos foi desenvolvida nos Estados Unidos e na Europa. No Brasil, só a partir de 2006 a atividade física tem sido sistematicamente mensurada na população adulta das capitais por meio do sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crónicas por Inquérito Telefónico (Vigitel) '°. Tal fato limita a realização de uma investigação mais robusta da tendência temporal dos níveis de atividade física no contexto brasileiro. Portanto, procuramos caracterizar a seguir alguns dos fatores contribuintes para a transição da atividade física no Brasil, dando ênfase ao Impacto que tiveram sobre os diferentes domínios da atividade física (ocupação, tarefas domésticas, deslocamento e lazer). Em um passado relativamente recente, o Brasil possuía uma população eminentemente rural em que as atividades laborais relacionadas à produção agropecuária faziam parte do cotidiano da maioria das pessoas. Com o processo acelerado de urbanização na segunda metade do século passado, a população rural que em 1940 representava quase 70% da população do pais, chegou em 2000 a menos de 20% ". Com o fenómeno de urbanização e crescimento da economia, a ocupação laborai nos setores secundário (indústrias) e terciário (serviços) ganhou importância, e atividades ocupacionais que exigem grande esforço do trabalhador são cada vez menos comuns. Ao sintetizar os dados sobre ocupação de pessoas com 10 anos ou mais dos censos demográficos entre 1960 e 1991. Mendonça e Anjos " revelaram uma redução importante na ocupação no setor da agricultura e extração. especialmente entre os homens, á custa do aumento nas ocupações relacionadas á Indústria, ao comércio e aos serviços. Dados mais recentes confirmaram este padrão de mudança. e demonstram a manutenção da queda na proporção de empregados no setor da agricultura e aumento no setor de comércio e reparação entre os anos de 1992 e 2007 (Figura 2)". Essa tendência de mudança no padrão das principais ocupações no Brasil, em adição à crescente modernização de técnicas e equipamentos que reduzem o esforço físico do homem no trabalho, faz com que o gasto energético neste domínio represente cada vez menos no volume diário de atividade física do brasileiro. Apesar dessa tendência, vale lembrar que uma parcela dos trabalhadores brasileiros ainda possui atividades que demandam um alto gasto energético (ex.: limpeza urbana, serviço de correios, construção civil etc.). Outro domínio da atividade física que sofreu profundas mudanças foi o deslocamento. O ato de caminhar ou pedalar como forma de deslocamento para o trabalho, resolver compromissos pessoais, ir ao mercado, visitar parentes ou ir à escola, deixou de ser um hábito para uma parcela importante dos brasileiros. Infelizmente não existem dados nacionais que permitam descrever o declínio do deslocamento ativo entre os brasileiros ao longo do tempo. Contudo, ao assumir que parte deste declínio devese à crescente popularização da posse de veículos motorizados, podemos inferir sobre esta transição com base na frota de automóveis e motocicletas no Brasil. Segundo dados do Departamento Nacional de Trânsito ", em 1998 havia cerca de 17 milhões de automóveis registrados no Brasil comparados a quase 35 milhões no ano de 2009, um aumento de 100% em pouco mais de 10 anos (Figura 3). Um crescimento ainda maior ocorreu com a frota de motocicletas, que no mesmo período aumentou em seis vezes (Figura 4). Ao relacionar, estes dados com as estimativas da população brasileira, verificamos que em 1998 a relação era de cerca de um automóvel registrado para cada dez brasileiros, enquanto em 2009, a relação passou a ser de um automóvel para cada cinco pessoas (Figura 3). Em metrópoles como São Paulo, a relação chega a quase um carro registrado para cada dois habitantes. Já a variação na razão de pessoas por motocicleta foi ainda mais acentuada (Figura 4)".
Se por um lado o acesso a veículos automotores é cada vez mais comum, por outro podemos elencar aspectos ainda presentes em nossas cidades que atuam como barreiras importantes para o deslocamento ativo, como um sistema de transporte coletivo muitas vezes pouco eficaz e uma infraestrutura e um desenho urbano que desfavorecem o deslocamento ativo ", além de um ambiente social que desvaloriza tal hábito ". Os avanços tecnológicos, que reduziram o esforço na produção agrícola e de bens materiais, também tiveram seu impacto nos lares dos brasileiros. As atividades relacionadas à limpeza e manutenção da casa certamente demandam menos tempo e esforço das pessoas hoje do que há trinta ou quarenta anos. Atualmente existe uma diversidade de recursos como máquinas de lavar roupa e louças, aspirador de pó e outros eletrodomésticos que facilitam o trabalho doméstico e que são acessíveis a um grupo cada vez maior de brasileiros. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 1°, a existência de máquina de lavar roupa nos domicílios brasileiros passou de 24,3% em 1993 para 44% em 2009 - um aumento de 81%. Embora este maior acesso possa representar uma redução do gasto energético em tarefas domésticas, uma parcela expressiva de mulheres ainda relata serem responsáveis pela limpeza pesada de suas casas - 71,4% contra 21.7% entre os homens - segundo dados do Vigitel ".
O quarto e talvez o mais importante contexto de prática da atividade física na atualidade é o do lazer. A prática de atividade física no tempo livre ganhou importância uma vez que este período passou a ser, para muitas pessoas, o único momento em que podem movimentar-se em níveis mais elevados de intensidade, frequência e duração. O primeiro estudo em escala nacional que avaliou este comportamento foi a Pesquisa sobre Padrões de Vida realizada pelo IBGE nos anos de 1996-97. Neste estudo, 13% dos entrevistados relataram fazer exercícios ou esportes por pelo menos 30 minutos em um ou mais dias da semana, enquanto apenas 3,3% relataram realizar alguma atividade por pelo menos 30 minutos em cinco ou mais dias da semana ". Recentemente, dados do Vigitel demonstraram que a prevalência de indivíduos que relataram praticar algum esporte ou exercício físico estabilizou entre os anos de 2006 (14,9%)" e 2009 (14,7%) 10. Outros dois estudos sobre tendência temporal foram realizados recentemente em diferentes regiões do Brasil. Em Pelotas (RS), observou-se que a prevalência de adultos que não atingiam 150 minutos de atividades físicas moderadas a vigorosas passou de 41% em 2002 para 52% em 2007, sendo que o aumento foi maior entre os mais pobres °. E importante ressaltar que a atividade física de lazer tem sido consistentemente associada a uma maior renda e escolaridade
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