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Direitos humanos, história, fundamentos


Quando se aborda a questão dos direitos humanos é inevitável comentar sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), um documento adotado em 1948 pela Organização das Nações Unidas (ONU) como forma de reforçar e ampliar os princípios da carta de fundação dessa entidade internacional. 

Seu principal objetivo foi promover entre os Estados-membros da ONU a adoção de políticas públicas e legislações nacionais que tivessem como parâmetros normativos os artigos contidos na DUDH. 

Na concepção fornecida pelo DUDH, os direitos humanos são, para além de todos aqueles direitos considerados universais e inalienáveis, “um conjunto mínimo de direitos necessário para assegurar uma vida ao ser humano baseada na liberdade e na dignidade”. 

Essa é uma definição importante porque evidencia que o grande fundamento dos intitulados direitos humanos, na sua configuração contemporânea, é a denominada “dignidade humana”. Na definição de CASTILHO (2011, p. 137), a dignidade humana: Está fundada no conjunto de direitos inerentes à personalidade da pessoa (liberdade e igualdade) e também no conjunto de direitos estabelecidos para a coletividade (sociais, econômicos e culturais). 

Por isso mesmo, a dignidade da pessoa não admite discriminação, seja de nascimento, sexo, idade, opiniões ou crenças, classe social e outras. 

Apesar de muitos autores considerarem que a DUDH seja parte de uma tradição de declarações de direitos que remonta a Declaração de Direitos de Virgínia (1776) e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), elas são meras inspirações à declaração da ONU, que é bastante diferente das anteriores, apesar de certas similaridades normativas. 

É essencial estabelecer a diferença entre os alicerces teóricos dessas históricas declarações de direitos, dado que estes detêm uma forte influência, não apenas sobre como os direitos nelas declarados devem ser aplicados, mas também sobre as consequências da implementação legal no ordenamento jurídico nacional dos intitulados direitos humanos. 


História das declarações de direitos

 
A história moderna é marcada por eventos conturbados de mudanças sociais e políticas, alguns de extrema importância para as nações e povos neles envolvidos e outros de significância essencial para o curso histórico do Ocidente. 

Dois destes eventos modernos se encaixam no segundo grupo de eventos, dentre várias razões históricas, pela presença inédita de declarações de direitos. São eles: a Independência dos Estados Unidos da América (1776–1783) e a Revolução Francesa (1789–1799). 


Declaração de Direitos da Virgínia


No caso dos EUA, o movimento de independência das treze colônias britânicas teve como motivos principais a conduta adotada pela Inglaterra nos anos antecedentes a luta pela separação política. 

A adoção de leis mercantilistas, favoráveis unicamente aos interesses da metrópole, às incessantes guerras em que a Inglaterra esteve envolvida com outras nações nas décadas passadas, além dos custos de manutenção das tropas britânicas instaladas nas colônias sobre os quais estas estavam responsáveis favoreceram o surgimento de um sentimento de independência entre os colonos. 

Foi dentro desse contexto que foi escrita a Declaração de Direitos de Virgínia. Expondo de forma resumida os direitos naturais dos homens, essa declaração, escrita pelos congressistas do estado de Virgínia, estabeleceu a proteção à vida, liberdade, propriedade e “a procura pela felicidade” dos indivíduos como essenciais a um governo que visa o bem comum. 

De certa forma, essa declaração antecipou em um mês o conteúdo da declaração de independência nacional. Aliás, é nítido o quanto essa declaração de direito teve por base teórica as obras dos filósofos ingleses John Locke e Thomas Paine, este último tendo atuado diretamente no processo de independência. 

Por sua vez, a Declaração de Independência dos EUA, escrita em grande parte por Thomas Jefferson, expôs uma lista de 27 atos cometidos pela Inglaterra, na figura do Rei Jorge III, que violavam os “direitos naturais” dos colonos elencados na Declaração de Virgínia. Foram estes atos que fundamentaram por consequência a separação política das colônias, como afirma a Declaração de Independência dos EUA, documento inicial, “quando, no curso dos acontecimentos humanos, se torna necessário a um povo dissolver os laços políticos que o ligavam a outro [...] exige que se declarem as causas que os levam a essa separação”. 

De acordo com Leandro KARNAL (2007, p. 82-86), este momento representa uma séria guinada na política ao redor do mundo ocidental: Com todas as suas limitações, o movimento de independência significava um fato histórico novo e fundamental: a promulgação da soberania “popular” como elemento suficientemente forte para mudar e derrubar formas de governo estabelecidas de governo, e de cada capacidade, tão inspirada em Locke, de romper o elo entre os governantes e governados quando os primeiros não garantissem aos cidadãos seus direitos fundamentais. 

Existia uma firme defesa da liberdade, a princípio limitada, mas que se foi estendendo em diversas áreas. Observa-se assim como um evento tão importante necessitava de uma declaração que exprimisse, resumisse as principais ideias e o significado daquele momento, que marca não apenas a primeira vez que uma colônia se emancipa de sua metrópole, como inicia a era das revoluções que se seguiriam nos séculos seguintes. 

Além disso, há ainda a estreia na política da noção de direitos auto evidentes, naturais e inalienáveis sobre os quais todos os governos devem estar alicerçados, os quais marcariam presença na futura Constituição do país e futuras nações ao redor do planeta nos séculos seguintes. A Independência dos EUA teve importantes repercussões na Europa, em especial na França que ajudou com apoio militar as colônias em seu processo de separação. 

Os gastos dessa ajuda terminaram por deteriorar a situação política e financeira da monarquia francesa, o que, por consequência, terminou por agravar a relação entre o povo e o rei Luís XVI. Esse instável momento da França terminou por desencadear uma dos mais famosos processos revolucionários do século XVIII, a Revolução Francesa.

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão 


 Tendo por exemplo os mesmos princípios norteadores da Independência dos EUA, os franceses deram início a um longo processo revolucionário pelo qual aspiravam derrubar a monarquia absolutista e instalar um governo baseado no consentimento popular. 

Apesar de contar com as mais variadas influências filosóficas, dentre elas dos filósofos franceses Montesquieu, Voltaire e Rousseau, a Revolução Francesa demonstrou um uniforme desejo pelo fim dos privilégios legais da aristocracia e do clero, e da necessidade de assentar o novo governo sob o consentimento popular, com o fito de preservar os direitos naturais dos homens. 

A forma como os revolucionários franceses encontraram de expressar a todos, tanto ao povo como as demais nações, essa enorme mudança política a qual pretendiam, foi por meio de uma declaração política similar a dada pelos americanos em seu processo de independência, a qual ficou conhecida por Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. 

É importante destacar que dois dos envolvidos, direta e indiretamente, no conteúdo da declaração de independência americana também tiveram participação, de certa forma, na declaração de direitos da Revolução Francesa: Thomas Paine e Thomas Jefferson. 

O primeiro, por acreditar que o processo revolucionário francês era produto do movimento de separação americano, defendeu em sua obra “Os Direitos do Homem”, a concepção de direitos naturais que emanavam da declaração francesa. Já o segundo auxiliou seu amigo francês Lafayette, que também participou da guerra da independência americana, na confecção de um rascunho que serviria como proposta da declaração de direitos da França. 

Apesar da influência e envolvimento americano na Revolução Francesa, há algumas diferenças entre as declarações de direitos dos dois países. 
Como argumenta Norberto Bobbio (1992), pois as distinções entre elas residem tanto na ausência da declaração francesa de uma concepção eudemonológica do Estado, presente nas declarações americanas, e da finalidade dos direitos declarados, que na França visava afirmar politicamente os direitos individuais e nos EUA pretendia relacioná-los ao “bem comum da sociedade”. Lynn Hunt (2009, p.131-132), resumindo os principais artigos da declaração de direitos francesa, afirma: 

Os deputados franceses declaravam que todos os homens, e não só os franceses, “nascem e permanecem livres e iguais em direitos” (artigo 1). 

 Entre os “direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem” estavam a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão (artigo 2). 

 Concretamente, isso significava que qualquer limite aos direitos tinha de ser estabelecido na lei (artigo 4).

 “Todos os cidadãos” tinham o direito de participar na formação da lei, que deveria ser a mesma para todos (artigo 6),  e consentir na tributação (artigo 14), que deveria ser dividida igualmente segundo a capacidade de pagar (artigo 13). 

Além disso, a declaração proibia “ordens arbitrárias” (artigo 7º), punições desnecessárias (artigo 8º) e qualquer presunção legal de culpa (artigo 9º) ou apropriação governamental desnecessária da propriedade (artigo 17).

 Em termos um tanto vagos, insistia que “ninguém deve ser molestado por suas opiniões, mesmo as religiosas” (artigo 10), enquanto afirmava com mais vigor a liberdade de imprensa (artigo 11). 

As consequências da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foram essenciais nos desdobramentos políticos, sociais e econômicos pela qual a França passou durante o período da Revolução Francesa. 

Graças a ela todos os homens livres, com idade de até 21 anos e que pagassem impostos, tinham direito a votar e ser eleitos; os protestantes e judeus tiveram reconhecidos seus direitos de liberdade religiosa, de atuar profissionalmente em certas áreas antes restritas a católicos, e assumir cargos e empregos no funcionalismo público; durante determinado período, a escravidão foi abolida, tanto no país como nas colônias; e as mulheres adquiriram certos direitos, como o de serem proprietárias de imóveis e de se divorciarem. 

Apesar de posições tão revolucionárias para a sua época, muitas das conquistas possibilitadas pela declaração de direitos francesa terminaram sendo sepultadas juridicamente após o advento do império comandado por Napoleão da guerra da independência americana, na confecção de um rascunho que serviria como proposta da declaração de direitos da França. 

Apesar da influência e envolvimento americano na Revolução Francesa, há algumas diferenças entre as declarações de direitos dos dois países. Como argumenta Norberto Bobbio (1992), pois as distinções entre elas residem tanto na ausência da declaração francesa de uma concepção eudemonológica do Estado, presente nas declarações americanas, e da finalidade dos direitos declarados, que na França visava afirmar politicamente os direitos individuais e nos EUA pretendia relacioná-los ao “bem comum da sociedade”. 

Lynn Hunt (2009, p.131-132), resumindo os principais artigos da declaração de direitos francesa, afirma: Os deputados franceses declaravam que todos os homens, e não só os franceses, “nascem e permanecem livres e iguais em direitos” (artigo 1). Entre os “direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem” estavam a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão (artigo 2).
 Concretamente, isso significava que qualquer limite aos direitos tinha de ser estabelecido na lei (artigo 4). 
“Todos os cidadãos” tinham o direito de participar na formação da lei, que deveria ser a mesma para todos (artigo 6), e consentir na tributação (artigo 14), que deveria ser dividida igualmente segundo a capacidade de pagar (artigo 13).
 Além disso, a declaração proibia “ordens arbitrárias” (artigo 7º), punições desnecessárias (artigo 8º) e qualquer presunção legal de culpa (artigo 9º) ou apropriação governamental desnecessária da propriedade (artigo 17).

 Em termos um tanto vagos, insistia que “ninguém deve ser molestado por suas opiniões, mesmo as religiosas” (artigo 10), enquanto afirmava com mais vigor a liberdade de imprensa (artigo 11). 

As consequências da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foram essenciais nos desdobramentos políticos, sociais e econômicos pela qual a França passou durante o período da Revolução Francesa. 

Graças a ela todos os homens livres, com idade de até 21 anos e que pagassem impostos, tinham direito a votar e ser eleitos; os protestantes e judeus tiveram reconhecidos seus direitos de liberdade religiosa, de atuar profissionalmente em certas áreas antes restritas a católicos, e assumir cargos e empregos no funcionalismo público; durante determinado período, a escravidão foi abolida, tanto no país como nas colônias; e as mulheres adquiriram certos direitos, como o de serem proprietárias de imóveis e de se divorciarem. Apesar de posições tão revolucionárias para a sua época, muitas das conquistas possibilitadas pela declaração de direitos francesa terminaram sendo sepultadas juridicamente após o advento do império comandado por Napoleão.


Declaração Universal dos Direitos Humanos


Entre revoluções políticas, mudanças econômicas, fins de poderosos impérios, dissolução e surgimento de novas nações, além de enormes conflitos armados entre os séculos XIX e XX, o mundo passou por sérias transformações políticas, econômicas e sociais. 

Durante este período histórico, a esfera legal, sobre influência de novas concepções jurídicas, estendeu gradualmente sua área de regulação com a criação, pela via legislativa, de novos direitos na seara social, econômica e cultural, o que consequentemente expandiu a intervenção do Estado na sociedade.

 Os dois principais eventos marcantes do início do século XX foram as duas grandes guerras mundiais, que juntas provocaram a morte de milhões de pessoas e mudaram intensamente a geografia política da Europa e do restante do planeta. 

Uma das grandes questões levantadas pela última grande guerra foi o genocídio praticado contra determinados povos, promovidos diretamente pelos Estados totalitários, entre eles a Alemanha nazista. Foi nesse contexto histórico que foi fundada, em 1945, a Organização das Nações Unidas (ONU), órgão internacional criado pelos países vencedores da 2ª Guerra Mundial, cujas finalidades principais eram de intermediar as relações entre nações antes e durante conflitos, fosse estes armados ou não, e buscar garantir os direitos dos indivíduos independentes de sua nacionalidade, classe social, cor ou gênero.

 Como forma de manifestar publicamente um repúdio aos crimes contra a humanidade cometidos pelas nações derrotadas durante a guerra, possui 30 artigos antecedidos por um preâmbulo, incluindo aqueles presentes em famosas declarações históricas de direito anteriores. 

Preleciona, nesse sentido, Erival da Silva (2012, p.66): No texto da Declaração relacionam-se os direitos civis e políticos (conhecidos por direitos de primeira geração: liberdade) e os direitos sociais, econômicos e culturais (chamados direitos de segunda geração: trabalho), e há, ainda, a fraternidade como valor universal (denominados direitos de terceira geração: espírito de fraternidade, paz, justiça, entre outros – nos considerandos e arts. I, VIII, entre outros). 

Essa distinção geracional entre direitos foi capitaneada conceitualmente pelo jurista tcheco Karel Vasak, que buscou por meio dela agrupar e diferenciar os direitos que foram consolidados pelos Estados e por tratados internacionais em determinados momentos históricos. Dessa forma, os da primeira geração surgiram nas Revoluções da Inglaterra, EUA e França, estando presentes nas declarações de direitos resultante das duas últimas; os da segunda, por sua vez, durante o século XIX e XX, como resposta às mudanças sociais e econômicas trazidas especialmente pela Revolução Industrial e; a terceira geração advém historicamente pós 2ª Guerra Mundial e como resposta aos desafios jurídicos impostos pelas ações das nações durante o conflito e dos problemas políticos internacionais que se avizinhavam no período brevemente posterior, como a Guerra Fria e as independências das colônias africanas e asiáticas. 

Importante afirmar que, apesar da presença, em maior ou menor grau, de direitos considerados essenciais aos homens em tratados internacionais assinados por algumas nações antes da 2ª Guerra, é possível concluir que a mais importante declaração de direitos, desde aquela escrita na Revolução Francesa, foi sem dúvida a Declaração Universal dos Direitos Humanos, cujos efeitos jurídicos, mesmo com variações, se faz presentes até os dias atuais entre as nações-membros da ONU.


Fundamentos teóricos distintos

A princípio, quando se analisa superficialmente a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a presença da tradição dos direitos naturais, esta qual serviram de fundamento teóricos para as declarações de direito da França e dos EUA, é percebível em certos artigos, como 3, 4, 5, 9, 101, 12, 13, 16 e 16. 

Todos estes replicam os direitos naturais já previstos em declarações anteriores. Há ainda aqueles artigos que são voltados exclusivamente para os direitos do cidadão, ou seja, regulam a relação entre o indivíduo e o Estado, os quais também encontram ressonância histórica na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. 

É possível assim afirmar que os direitos previstos nestes artigos da DUDH encontram ressonância na tradição jus-naturalista. 

O jus-naturalismo possui raízes na antiguidade clássica grega, encontrando eco em escritos de Aristóteles, cuja noção de direito natural foi resgatada e reformulada teologicamente durante a Idade Média por Tomás de Aquino, e ganhando sua versão mais moderna (também chamada de racional) graças às obras de filósofos do período do Iluminismo (entre os séculos XVII e XVIII), como Hugo Grotius, John Locke e Immanuel Kant. Aliás, podem-se traçar como fontes inspiradoras dos direitos humanos as teorias da lei natural, do direito natural e dos direitos do homem, que apesar de distintas teoricamente, permearam a filosofia do direito durante o decorrer de grande parte da História.


Teoria da Lei Natural 

A teoria da lei natural nasce na Grécia Antiga, através das construções teóricas de Platão e Aristóteles. Na Política, Aristóteles argumenta que a natureza é formada de maneira que tudo tende a uma finalidade, e a busca por essa finalidade confere perfeição à coisa natural. 

O homem deveria então se orientar de acordo com a sua natureza, que existe no cosmos metafísico, para atingir a perfeição. Para ele, a finalidade do homem, ao contrário dos demais seres e por ser o único dotado de razão, é a constante perseguição pela felicidade.

 Os estóicos, então, aprofundam a ideia de que o homem deve seguir uma lei natural, a lei do cosmos, para se chegar a uma perfeição social. Na filosofia estóica, o objetivo da vida é a busca pela felicidade, a qual só é possível de ocorrer se o homem viver de acordo com a natureza. Viver “conforme a natureza” consistia para eles em “conservar a si mesmo, de ‘apropriar-se’ do próprio ser e de tudo quanto é capaz de conservá-lo, de evitar aquilo que lhe é contrário e de ‘conciliar-se’ consigo mesmo e com as coisas que são conformes à própria essência”. 

Portanto, sendo o homem um ser racional, viver segundo a natureza é viver de forma conciliada com sua própria racionalidade. Posteriormente, São Tomás de Aquino, embora corroborando a ideia de que a lei natural é proveniente da razão, mais precisamente a “ordenação da razão para o bem comum, promulgada por aquele que tem cuidado da comunidade” argumenta que a verdadeira lei justa é proveniente de Deus, através da Lei Divina, adstrita somente a Ele, de onde provêm uma lei eterna que inspiraria a Lei Natural, sendo um princípio metajurídico a formar e legitimar a Lei Positiva, na medida em que participa da reta razão, sendo impressão da luz divina no homem racional. Resta evidente a análoga construção de pensamento entre São Tomás e os Estóicos, e a presença e força da Igreja Católica na construção da moral e do sistema jurídico na Europa, especialmente durante a Idade Média, sedimentará no inconsciente popular a ideia de Lei Natural. 

O trabalho de São Tomás terá grande influência no Direito Canônico e servirá como inspiração para vários filósofos, mas não terá uma influência direta na criação de declarações de direitos de cunho estatal, que beberão da fonte da teoria do direito natural e do direito do homem.

  
Teoria do Direito Natural


 Por sua vez, a escola jus-naturalista moderna/racional tem como fundamento central o indivíduo, do qual decorre o argumento de que o ser humano, em face de sua natureza especial, possui direitos que lhe são inerentes; os intitulados direitos naturais. Estes direitos, afirmam os jus-naturalistas, podem ser “descobertos” racionalmente por meio de uma análise da essência humana, de onde seriam extraídas as normas necessárias para a preservação do homem e da sociedade. Esta é a base da teoria do direito natural moderno. Em sua acepção mais comumente conhecida atualmente, o direito natural ou jus-naturalismo pode ser definido como, segundo Siqueira JR (2012, p.42).

O conjunto mínimo de preceitos dotados de caráter universal, imutável, que surge da natureza humana e que se configura como um dos princípios de legitimidade do direito. Os direitos naturais são inerentes ao indivíduo, devem estar em qualquer sociedade e precedem a formação do Estado e do direito positivo. Tendo por base esse conceito, é possível estabelecer de imediato algumas distinções entre o direito natural e o direito positivo. 

Segundo descreve BOBBIO (1992), que enquanto o primeiro é universal, imutável, tem como fonte a natureza humana, é conhecido por meio da razão individual e possui uma carga moral intrínseca (“são bons ou maus por si mesmos”), o segundo é particular (limitado a certo território), é mutável temporalmente, tem como fonte o Estado, é conhecido por todos por meio da vontade do legislador, e é indiferente do ponto de vista ético (se um ato é justo ou injusto dependerá do que a lei define).

Observando esses critérios de distinção, é possível afirmar, portanto, que os direitos naturais são a vida, a liberdade e a igualdade, estes quais são inerentes aos indivíduos desde o momento de seus nascimentos, servindo assim como base para definir uma teoria de justiça evidentemente natural, fundada no indivíduo enquanto ser humano racional. Por sua vez, o direito positivo visaria essencialmente regular as relações entre estes mesmos indivíduos. John Locke é um dos principais representantes da filosofia jusnaturalista moderna. 

Sua concepção de direitos naturais decorre da noção de lei natural. Tomando por base a idealização de um estado de natureza, anterior a existência do Estado, Locke justifica a necessidade da existência do poder estatal por ser este melhor capacitado de proteger as “vidas, liberdades e bens” dos indivíduos. Ou seja, para ele, como fica evidente, estes direitos, que ele considera naturais, antecedem a sua positivação pelo Estado. 

Por isso mesmo, Locke conclui que a preservação desses direitos é o único dever justo do Estado. Postula Locke nesse aspecto: Embora os homens ao entrarem na sociedade renunciem à igualdade, à liberdade e ao poder executivo que possuíam no estado de natureza, que é então depositado nas mãos da sociedade, para que o legislativo deles disponha na medida em que o bem da sociedade assim o requeira, cada um age dessa forma apenas com o objetivo de melhor proteger sua liberdade e sua propriedade (pois não se pode supor que nenhuma criatura racional mude suas condições de vida para ficar pior), e não se pode jamais presumir que o poder da sociedade, ou o poder legislativo por ela instituído, se estenda além do bem comum; ele tem a obrigação de garantir a cada um sua propriedade. LOCKE, Trad. Lopes; Costa (1994, p. 156).

O jus-naturalismo clássico, apesar de defender que o direito natural deva servir de inspiração ao legislador no momento da “criação” das leis do Estado, entende que a sua não observância não suscita do direito leva à desobediência da legislação por parte dos indivíduos. Por sua vez, a filosofia jus-naturalista moderna, seguindo em sentindo contrário, considera essencial a congruência entre os direitos naturais e o direito positivado pelo Estado. 
Os representantes contemporâneos dessa corrente jusfilosófica entendem que o alinhamento entre o direito estatal e o direito natural é a base jurídica consistente e necessária para a manutenção de uma ordem social espontânea e harmoniosa entre os indivíduos. Nesse sentido, conclui Miguel Reale:

O Direito Natural pode ser concebido, in abstracto, como um conjunto de princípios éticos e racionais que inspiram e norteiam a evolução e as transformações do Direito, e que, sem serem redutíveis às categorias do Direito Positivo, banham as matrizes da positividade jurídica. Tal modo de entender o Direito Natural deve pressupor, porém, a sua compreensão como algo de transcendental (no sentido kantiano deste termo), e não de transcendente, em relação ao Direito Positivo: é, em suma, o conjunto das condições lógicas e axiológicas imanentes à experiência histórica do Direito, ou, por outras palavras, corresponde às “constantes” estimativas de cuja validade universal o homem se apercebe na história e pela história. REALE (2000, p. 97).

Em consonância com a posição de Reale, afirma Max Möller (2011, p.56): O fato de que estas normas necessárias que devem condicionar o direito são hierarquicamente superiores às normas comuns – estas formuladas mediante o acordo social e pelo poder político – está presente em todo o pensamento jus-naturalista, e consiste na atribuição de uma finalidade ao direito: a correção ética e adequação a normas que lhe são anteriores e superiores. A função do direito natural, dessa forma, será a de determinar quais normas podem converter-se em direito, atuando como critério de validade para todo o direito positivo. 

Por outro lado, suas determinações são fonte de direito para todas as pessoas; não podendo ser apropriadas pelo poder político. Essa simbiose necessária entre esses dois tipos de direitos é tão fundamental na filosofia moderna dos direitos naturais que serve inclusive de embasamento para o chamado “direito de rebelião”, apontado originalmente por John Locke em uma de suas obras, como uma garantia do povo contra o governo que ultrapasse os limites de sua atuação, qual seja a proteção aos direitos naturais dos indivíduos. Foi justamente esse fundamento teórico jus-naturalista que serviu de base para as declarações de direito esculpidas nos EUA e na França, no século XVIII durante seus processos revolucionários. 

Enquanto no plano filosófico, a noção de direitos naturais vinha ganhando adeptos e representantes, estas duas nações foram as pioneiras na aplicação desta filosofia como alicerce dos seus novos governos. Aliás, como explica Lynn Hunt, ao contrário, por exemplo, das cartas e petições de direito que marcaram a história da Inglaterra, como foram os casos da Magna Carta (1215), da Petição de Direitos (1628) e o Bill of Rights (1689), a Declaração da Independência dos Estados Unidos da América e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (França) possuem outro caráter fundamental que as diferenciava das demais, qual seja a noção de passagem do poder soberano do monarca para o povo. 

A transferência de soberania que estas declarações provocaram é revolucionária por lançar não somente novos fundamentos ao poder governamental, a qual emana segundo elas do consentimento popular, como também por limitar a finalidade de ação dos governantes à observância dos direitos naturais de todos os homens. Conforme leciona Lynn Hunt ((2009, p.115-116) A Declaração da Independência afirmava que o rei Jorge III tinha pisoteado os direitos preexistentes dos colonos e que suas ações justificavam o estabelecimento de um governo separado: “sempre que qualquer Forma de Governo se torne destrutiva desses fins [assegurar os direitos], é Direito do Povo alterá-la ou aboli-la, e instituir novo Governo”. 

Da mesma forma, os deputados franceses declararam que esses direitos tinham sido simplesmente ignorados, negligenciados ou desprezados; não afirmaram que os tinham inventado. “A partir de agora”, entretanto, a declaração propunha que esses direitos constituíssem o fundamento do governo, embora não o tivessem sido no passado. Mesmo afirmando que esses direitos já existiam e que eles os estavam meramente defendendo, os deputados criavam algo radicalmente novo: governos justificados pela sua garantia dos direitos universais. Posto isto, é percebível quais as bases teóricas tanto dos direitos previstos nas declarações de direito durante o processo de Independência dos EUA, da Revolução Francesa e em parte da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU. 

Teoria dos Direitos do Homem

Há um grupo de artigos presentes na Declaração Universal dos Direitos Humanos que são totalmente diferentes (em alguns casos até mesmo contrários doutrinariamente) aos fundamentos tradicionais das famosas declarações de direitos anteriores. Os artigos conhecidos como os “direitos econômicos, sociais e culturais” da DUDH estão listados entre os números 22 e 28 do documento. 

Com base em uma classificação didática, estes pertenceriam a uma segunda dimensão de direitos, sendo que a primeira cobriria os direitos civis e políticos e a terceira os direitos ligados ao desenvolvimento, ao meio ambiente e à paz. Os artigos que pertencem a essa dimensão na declaração adota como justificativa normativa a noção de “dignidade humana”, o que fica claramente evidente no artigo 22, que inicia essa seção da DUDH: Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade. 

A ideia de “dignidade humana” presente na Declaração Universal dos Direitos Humanos encontra respaldo nas ideias do filósofo Immanuel Kant. Sua filosofia parte do princípio que o homem, por ser capaz de determinar suas ações, ou seja, detém autonomia sobre sua própria vontade, o que é uma característica essencial de um ser racional, torna-se um “um fim absoluto em si mesmo”. 

Contudo, apesar desse suposto respaldo na filosofia kantiana, os direitos previstos entre os artigos 22 e 28 da declaração são reflexo direto de uma fundamentação teórica completamente diversa, podendo ser considerada por alguns, Há um grupo de artigos presentes na Declaração Universal dos Direitos Humanos que são totalmente diferentes (em alguns casos até mesmo contrários doutrinariamente) aos fundamentos tradicionais das famosas declarações de direitos anteriores. Os artigos conhecidos como os “direitos econômicos, sociais e culturais” da DUDH estão listados entre os números 22 e 28 do documento. 

Com base em uma classificação didática, estes pertenceriam a uma segunda dimensão de direitos, sendo que a primeira cobriria os direitos civis e políticos e a terceira os direitos ligados ao desenvolvimento, ao meio ambiente e à paz. Os artigos que pertencem a essa dimensão na declaração adota como justificativa normativa a noção de “dignidade humana”, o que fica claramente evidente no artigo 22, que inicia essa seção da DUDH: Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade. A ideia de “dignidade humana” presente na Declaração Universal dos Direitos Humanos encontra respaldo nas ideias do filósofo Immanuel Kant. 

Sua filosofia parte do princípio que o homem, por ser capaz de determinar suas ações, ou seja, detém autonomia sobre sua própria vontade, o que é uma característica essencial de um ser racional, torna-se um “um fim absoluto em si mesmo”. Contudo, apesar desse suposto respaldo na filosofia kantiana, os direitos previstos entre os artigos 22 e 28 da declaração são reflexo direto de uma fundamentação teórica completamente diversa, podendo ser considerada por alguns, sua vida, entendida por ele como o direito a ter meios de subsistir de forma digna. 

 Portanto, a única forma disso ocorrer é que, estando em vigor o pacto social, os meios físicos por onde os indivíduos retiram seus alimentos, possam ser usufruídos ou de maneira igual pelos cidadãos ou “na medida em que todos eles têm alguma coisa e nenhum tem demais”. 

A concepção rousseana de liberdade e igualdade, que difere bruscamente do significado dado a esses termos pelos filósofos jus-naturalistas, foi essencial para o surgimento histórico dos direitos econômicos e sociais, os quais se deram durante o século XIX e início do XX. Nesse período, os novos movimentos filosóficos, sociais, políticos e científicos influenciaram significativamente o papel do Estado na sociedade e do conteúdo do ordenamento jurídico, estes ainda em parte sobre bases jus-naturalistas racionais presentes nas famosas declarações de direitos do século anterior. Dentre estes movimentos, dos quais fazem parte o antissemitismo, o racismo e o sexismo (todos respaldados agora por um suposto conteúdo biológico), o nacionalismo e o socialismo/comunismo foram os dois grandes destaques. 

O movimento nacionalista ganhou expressão histórica logo após Napoleão Bonaparte ter sido definitivamente derrotado em 1815. O grande fator de ebulição do nacionalismo deve-se em parte as conquistas militares de Napoleão no continente europeu, que além de derrubar do poder durante algum tempo certos monarcas, como foi o caso da Espanha e Portugal, o que catalisou a independência das colônias na América Latina, também modificou o ordenamento jurídico dos países conquistados, influenciado em parte pelos ideais oriundos da Revolução Francesa. 

O sentimento nacional teve dois efeitos históricos: o primeiro foi ter deslocado a noção de soberania do povo, que antes pertencia ao monarca e tinha lhe sido passada por meio das revoluções do século passado, para a nação, que seria agora a representação do povo; e o segundo foi o aparecimento da preocupação com a questão da imigração e da xenofobia, ambas fundadas sobre a ideia de preservação dos “elementos tradicionais” da nação, como a etnia e a língua. Por sua vez, o socialismo/comunismo teve como meta ideológica propulsora a igualdade social e econômica dos mais diversos grupos na sociedade. 

Apesar de um objetivo comum, este movimento se dividiu em várias vertentes, em que englobava desde experimentos comunitários, como fábricas e cooperativas controladas por trabalhadores, como a luta pela participação política, que visava por meio da representação no Legislativo criar leis que favorecessem as classes trabalhadoras e os indigentes, e finalmente os revolucionários, que pretendiam tomar o poder e abolir a estrutura econômica (capitalismo) e social (classes) vigente até então. No que tange o movimento nacionalista, um dos grandes filósofos a contribuir com o seu avanço durante esse período foi o alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel. 

 Na concepção de Hegel, o Estado seria a “síntese” do processo conflituoso entre forças opostas presente na sociedade (a “dialética”), logo, é uma encarnação concreta e efetiva dos direitos dos cidadãos livres. Posto isto, ele conclui que o sentimento patriótico é a clara noção consciente que os interesses de todos os indivíduos estão conservados dentro do Estado. 

Nesse sentido, afirma Hegel (1997, p.226): Em face do direito privado e do interesse particular, da família e da sociedade civil, o Estado é, por um lado, necessidade exterior e poder mais alto; subordinam-se lhe as leis e os interesses daqueles domínios mas, por outro lado, é para eles fim imanente, tendo a sua força na unidade do seu último fim universal e dos interesses particulares do indivíduo; esta unidade exprime-se em terem aqueles domínios deveres para com o Estado na medida em que também têm direitos. Portanto, na filosofia hegeliana, há uma completa subversão do ideal jus-naturalista exposto no campo político pelas teorias contratualistas, em especial a de Locke. 

Se nesta, o Estado é um ente artificial criado por indivíduos livres com o único objetivo de resguardar os direitos naturais que lhes são pré-existentes, em Hegel é o Estado, sendo este a superação dos conflitos oriundos do corpo social, em outros termos a “unidade substancial”, que permite que a existência da sociedade civil e da família, além dos indivíduos, exista como são. 

É importante ressaltar que há uma conexão teórica essencial entre essa visão hegeliana do Estado e a defendida pelo filósofo inglês Thomas Hobbes, em sua famosa obra Leviatã. Para este famoso teórico contratualista, a situação dos indivíduos no estado natural, ou seja, aquele momento idealizado pelos filósofos que antecede a existência do Estado é de eterno conflito, bellum omnia omnes (“guerra de todos contra todos”).

 Hobbes (2003, p. 112-113), ao contrário de Locke, nega o caráter racional e inato dos direitos no ambiente anterior à existência do Estado. Em sua teoria, só há um único “direito” individual existente no estado de natureza, que é: [...] a liberdade que cada homem possui de usar o seu próprio poder, da maneira que quiser, para a preservação da sua própria natureza, ou seja, da sua vida; e consequentemente de fazer tudo aquilo que o seu próprio julgamento e razão lhe indiquem como meios mais adequados a esse fim. 

 Por liberdade entende-se, conforme a significação própria da palavra, a ausência de impedimentos externos, impedimentos que muitas vezes tiram parte do poder que cada um tem de fazer o que quer, mas não podem obstar a que use o poder que lhe resta, conforme o que o seu julgamento e razão lhe ditarem. [...] E dado que a condição do homem (conforme foi declarado no capítulo anterior) é uma condição de guerra de todos contra todos, sendo neste caso cada um governado pela sua própria razão, e nada havendo de que possa lançar mão que não lhe ajude na preservação da sua vida contra os seus inimigos, segue-se que numa tal condição todo homem tem direito a todas as coisas, até mesmo aos corpos uns dos outros. 

Portanto, enquanto perdurar este direito natural de cada homem a todas as coisas, não poderá haver para nenhum homem (por mais forte e sábio que seja) a segurança de viver todo o tempo que geralmente a natureza permite aos homens viver. 

Essa noção muito peculiar de Hobbes sobre direito natural (com a qual Rousseau viria a concordar em suas obras) é flagrantemente oposta aos dos demais filosóficos jus-naturalistas. 

Se para estes, apesar de certas distinções teóricas, o indivíduo é dotado de forma inata e inalienável ao direito a vida, a liberdade e à propriedade, pode-se considerar, portanto, que há parâmetros normativos que definem o que é justo ou não para todos. Ainda para Hobbes o verdadeiro “direito natural” consiste essencialmente em o indivíduo poder agir da forma que bem entender para satisfazer suas vontades, alimentadas pelos seus sentidos e paixões particulares. Não há assim, para ele, parâmetros de certo ou errado, justo ou injusto, no estado de natureza.

 A solução apontada por Thomas Hobbes para estabelecer a paz permitindo assim a existência da sociedade civil organizada, observando esse cenário descrito por ele do estado natural, é o estabelecimento do Estado, o qual é instituído por um pacto entre os homens para utilizar “um poder comum que os mantenha em respeito, e que dirija as suas ações para o benefício comum” (2003, p. 147).

 É justamente neste ponto que há uma confluência (apesar da discordância de como isto ocorreria) entre a noção de Hegel e Hobbes para o Estado, posto que os homens necessitariam conferir toda a sua força e poder a um homem, ou a uma assembleia de homens, que possa reduzir todas as suas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade. Por seu turno, o socialismo/comunismo teve como representantes filosóficos principais Joseph Proudhon, Mikhail Bakunin, Friedrich Engels e Karl Marx, sendo estes dois últimos os mais proeminentes. A base essencial dessa corrente ideológica consiste na noção de que a sociedade civil é dividida em classes sociais, cada uma com costumes e valores próprios, que estariam em permanente conflito de interesses.

 E a principal causa da origem dessas classes seria a existência da propriedade privada. Essa posição teórica, que ficou mundialmente conhecida por meio das obras de Marx, afirma que, historicamente, uma classe social sobrevive via exploração da mão de obra da outra classe que lhe seria antagônica, e que para isso utiliza-se do poder do Estado para legitimar esse processo. Por conta disso, defende Marx, que caberia historicamente à classe explorada (que no período dele seria o “proletariado”, os trabalhadores das fábricas e indústrias) se insurgir contra esse processo, por meio de uma revolução social que findaria com o sistema econômico em vigor (o capitalismo) e assumiria o controle do Estado, instalando a “ditadura do proletariado”, a qual teria por missão final acabar com as divisões de classes.

No campo jurídico, Marx simplesmente transferiu sua análise de classes da sociedade para o direito. Assim, para ele a função das normas jurídicas consiste em “estabelecerem determinadas instâncias que possibilitem o próprio funcionamento do sistema”. Sintetizando a visão de Marx sobre o papel do direito e consequentemente do Estado, afirma Mascaro (2002, p.119): Configura o direito, assim, fundamentalmente, a característica de um direito de classe, histórico, e no interesse da classe exploradora. 

Da mesma forma que o Estado, o direito não nascerá da vontade geral – portanto não é fundado no contrato social, nem numa pretensa paz social ou congêneres – , e também não terá, definitivamente, nada em comum, com as modernas teorias do direito que o fundavam num direito natural, eterno e de caráter racional. Toda a lógica do direito não está ligada às necessidades de bem comum, nem as verdades jurídicas transcendentes. Está intimamente ligada, sim, à própria práxis, à história social e produtiva do homem. 

A tese da teoria da exploração de classes serviu de justificativa política e fundamento jurídico para a adoção de várias medidas interventoras do Estado na economia e na sociedade durante os séculos XIX e XX. Graças a ela, o Estado desenvolveu a moderna política social voltada para “proteger” os trabalhadores da “exploração” dos empregadores, criando leis de salários mínimos, estabelecendo limites de horas trabalhadas, vedando o emprego da mão de obra de crianças e mulheres, além da criação de uma rede de seguro aos desempregados, desvalidos ou idosos, como o seguro-desemprego e o benefício financeiro para os aposentados. 

Portanto, foram em face destas bases teóricas que essa nova classe de direitos surgiu e desenvolveu-se. Primeiramente, no âmbito nacional, sobre a nomenclatura de “direitos fundamentais”, e depois atingindo o caráter de “direitos humanos”, os quais se encontram presente em nível internacional graças a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU sob a alcunha de “direitos econômicos, sociais e culturais”.    
Raynner

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