O jus-naturalismo possui raízes na antiguidade clássica grega, encontrando eco em escritos de Aristóteles, cuja noção
de direito natural foi resgatada e reformulada teologicamente durante a Idade Média
por Tomás de Aquino, e ganhando sua versão mais moderna (também chamada de
racional) graças às obras de filósofos do período do Iluminismo (entre os séculos XVII
e XVIII), como Hugo Grotius, John Locke e Immanuel Kant.
Aliás, podem-se traçar como fontes inspiradoras dos direitos humanos as
teorias da lei natural, do direito natural e dos direitos do homem, que apesar de
distintas teoricamente, permearam a filosofia do direito durante o decorrer de grande
parte da História.
O homem deveria então se orientar de acordo com a sua
natureza, que existe no cosmos metafísico, para atingir a perfeição. Para ele, a
finalidade do homem, ao contrário dos demais seres e por ser o único dotado de
razão, é a constante perseguição pela felicidade.
Os estóicos, então, aprofundam a ideia de que o homem deve seguir uma lei
natural, a lei do cosmos, para se chegar a uma perfeição social. Na filosofia estóica,
o objetivo da vida é a busca pela felicidade, a qual só é possível de ocorrer se o
homem viver de acordo com a natureza. Viver “conforme a natureza” consistia para eles em “conservar a si mesmo, de ‘apropriar-se’ do próprio ser e de tudo quanto é
capaz de conservá-lo, de evitar aquilo que lhe é contrário e de ‘conciliar-se’ consigo
mesmo e com as coisas que são conformes à própria essência”.
Portanto, sendo o
homem um ser racional, viver segundo a natureza é viver de forma conciliada com
sua própria racionalidade.
Posteriormente, São Tomás de Aquino, embora corroborando a ideia de que a
lei natural é proveniente da razão, mais precisamente a “ordenação da razão para o
bem comum, promulgada por aquele que tem cuidado da comunidade” argumenta
que a verdadeira lei justa é proveniente de Deus, através da Lei Divina, adstrita
somente a Ele, de onde provêm uma lei eterna que inspiraria a Lei Natural, sendo um
princípio metajurídico a formar e legitimar a Lei Positiva, na medida em que participa
da reta razão, sendo impressão da luz divina no homem racional.
Resta evidente a análoga construção de pensamento entre São Tomás e os
Estóicos, e a presença e força da Igreja Católica na construção da moral e do sistema
jurídico na Europa, especialmente durante a Idade Média, sedimentará no
inconsciente popular a ideia de Lei Natural.
O trabalho de São Tomás terá grande influência no Direito Canônico e servirá
como inspiração para vários filósofos, mas não terá uma influência direta na criação
de declarações de direitos de cunho estatal, que beberão da fonte da teoria do direito
natural e do direito do homem.
Teoria do Direito Natural
Por sua vez, a escola jus-naturalista moderna/racional tem como fundamento
central o indivíduo, do qual decorre o argumento de que o ser humano, em face de
sua natureza especial, possui direitos que lhe são inerentes; os intitulados direitos
naturais. Estes direitos, afirmam os jus-naturalistas, podem ser “descobertos”
racionalmente por meio de uma análise da essência humana, de onde seriam
extraídas as normas necessárias para a preservação do homem e da sociedade. Esta
é a base da teoria do direito natural moderno.
Em sua acepção mais comumente conhecida atualmente, o direito natural ou
jus-naturalismo pode ser definido como, segundo Siqueira JR (2012, p.42).
O conjunto mínimo de preceitos dotados de caráter universal, imutável, que
surge da natureza humana e que se configura como um dos princípios de
legitimidade do direito. Os direitos naturais são inerentes ao indivíduo, devem
estar em qualquer sociedade e precedem a formação do Estado e do direito
positivo.
Tendo por base esse conceito, é possível estabelecer de imediato algumas
distinções entre o direito natural e o direito positivo.
Segundo descreve BOBBIO
(1992), que enquanto o primeiro é universal, imutável, tem como fonte a natureza
humana, é conhecido por meio da razão individual e possui uma carga moral
intrínseca (“são bons ou maus por si mesmos”), o segundo é particular (limitado a
certo território), é mutável temporalmente, tem como fonte o Estado, é conhecido por
todos por meio da vontade do legislador, e é indiferente do ponto de vista ético (se
um ato é justo ou injusto dependerá do que a lei define).
Observando esses critérios de distinção, é possível afirmar, portanto, que os
direitos naturais são a vida, a liberdade e a igualdade, estes quais são inerentes aos
indivíduos desde o momento de seus nascimentos, servindo assim como base para
definir uma teoria de justiça evidentemente natural, fundada no indivíduo enquanto
ser humano racional. Por sua vez, o direito positivo visaria essencialmente regular as
relações entre estes mesmos indivíduos.
John Locke é um dos principais representantes da filosofia jusnaturalista
moderna.
Sua concepção de direitos naturais decorre da noção de lei natural.
Tomando por base a idealização de um estado de natureza, anterior a existência do
Estado, Locke justifica a necessidade da existência do poder estatal por ser este
melhor capacitado de proteger as “vidas, liberdades e bens” dos indivíduos. Ou seja,
para ele, como fica evidente, estes direitos, que ele considera naturais, antecedem a
sua positivação pelo Estado.
Por isso mesmo, Locke conclui que a preservação
desses direitos é o único dever justo do Estado.
Postula Locke nesse aspecto:
Embora os homens ao entrarem na sociedade renunciem à igualdade, à
liberdade e ao poder executivo que possuíam no estado de natureza, que é
então depositado nas mãos da sociedade, para que o legislativo deles
disponha na medida em que o bem da sociedade assim o requeira, cada um
age dessa forma apenas com o objetivo de melhor proteger sua liberdade e
sua propriedade (pois não se pode supor que nenhuma criatura racional
mude suas condições de vida para ficar pior), e não se pode jamais presumir
que o poder da sociedade, ou o poder legislativo por ela instituído, se estenda
além do bem comum; ele tem a obrigação de garantir a cada um sua
propriedade. LOCKE, Trad. Lopes; Costa (1994, p. 156).
O jus-naturalismo clássico, apesar de defender que o direito natural deva servir
de inspiração ao legislador no momento da “criação” das leis do Estado, entende que
a sua não observância não suscita do direito leva à desobediência da legislação por
parte dos indivíduos.
Por sua vez, a filosofia jus-naturalista moderna, seguindo em sentindo contrário,
considera essencial a congruência entre os direitos naturais e o direito positivado pelo
Estado.
Os representantes contemporâneos dessa corrente jusfilosófica entendem
que o alinhamento entre o direito estatal e o direito natural é a base jurídica
consistente e necessária para a manutenção de uma ordem social espontânea e
harmoniosa entre os indivíduos.
Nesse sentido, conclui Miguel Reale:
O Direito Natural pode ser concebido, in abstracto, como um conjunto de
princípios éticos e racionais que inspiram e norteiam a evolução e as
transformações do Direito, e que, sem serem redutíveis às categorias do
Direito Positivo, banham as matrizes da positividade jurídica. Tal modo de
entender o Direito Natural deve pressupor, porém, a sua compreensão como
algo de transcendental (no sentido kantiano deste termo), e não de
transcendente, em relação ao Direito Positivo: é, em suma, o conjunto das
condições lógicas e axiológicas imanentes à experiência histórica do Direito,
ou, por outras palavras, corresponde às “constantes” estimativas de cuja
validade universal o homem se apercebe na história e pela história. REALE
(2000, p. 97).
Em consonância com a posição de Reale, afirma Max Möller (2011, p.56):
O fato de que estas normas necessárias que devem condicionar o direito são
hierarquicamente superiores às normas comuns – estas formuladas
mediante o acordo social e pelo poder político – está presente em todo o
pensamento jus-naturalista, e consiste na atribuição de uma finalidade ao
direito: a correção ética e adequação a normas que lhe são anteriores e
superiores. A função do direito natural, dessa forma, será a de determinar
quais normas podem converter-se em direito, atuando como critério de
validade para todo o direito positivo.
Por outro lado, suas determinações são
fonte de direito para todas as pessoas; não podendo ser apropriadas pelo
poder político.
Essa simbiose necessária entre esses dois tipos de direitos é tão fundamental
na filosofia moderna dos direitos naturais que serve inclusive de embasamento para
o chamado “direito de rebelião”, apontado originalmente por John Locke em uma de
suas obras, como uma garantia do povo contra o governo que ultrapasse os limites
de sua atuação, qual seja a proteção aos direitos naturais dos indivíduos.
Foi justamente esse fundamento teórico jus-naturalista que serviu de base para
as declarações de direito esculpidas nos EUA e na França, no século XVIII durante
seus processos revolucionários.
Enquanto no plano filosófico, a noção de direitos
naturais vinha ganhando adeptos e representantes, estas duas nações foram as
pioneiras na aplicação desta filosofia como alicerce dos seus novos governos.
Aliás, como explica Lynn Hunt, ao contrário, por exemplo, das cartas e petições
de direito que marcaram a história da Inglaterra, como foram os casos da Magna
Carta (1215), da Petição de Direitos (1628) e o Bill of Rights (1689), a Declaração da
Independência dos Estados Unidos da América e a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão (França) possuem outro caráter fundamental que as diferenciava das demais, qual seja a noção de passagem do poder soberano do
monarca para o povo.
A transferência de soberania que estas declarações provocaram é
revolucionária por lançar não somente novos fundamentos ao poder governamental,
a qual emana segundo elas do consentimento popular, como também por limitar a
finalidade de ação dos governantes à observância dos direitos naturais de todos os
homens.
Conforme leciona Lynn Hunt ((2009, p.115-116)
A Declaração da Independência afirmava que o rei Jorge III tinha pisoteado
os direitos preexistentes dos colonos e que suas ações justificavam o
estabelecimento de um governo separado: “sempre que qualquer Forma de
Governo se torne destrutiva desses fins [assegurar os direitos], é Direito do
Povo alterá-la ou aboli-la, e instituir novo Governo”.
Da mesma forma, os
deputados franceses declararam que esses direitos tinham sido
simplesmente ignorados, negligenciados ou desprezados; não afirmaram
que os tinham inventado. “A partir de agora”, entretanto, a declaração
propunha que esses direitos constituíssem o fundamento do governo,
embora não o tivessem sido no passado. Mesmo afirmando que esses
direitos já existiam e que eles os estavam meramente defendendo, os
deputados criavam algo radicalmente novo: governos justificados pela sua
garantia dos direitos universais.
Posto isto, é percebível quais as bases teóricas tanto dos direitos previstos nas
declarações de direito durante o processo de Independência dos EUA, da Revolução
Francesa e em parte da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU.
Teoria dos Direitos do Homem
Há um grupo de artigos presentes na Declaração Universal dos Direitos
Humanos que são totalmente diferentes (em alguns casos até mesmo contrários
doutrinariamente) aos fundamentos tradicionais das famosas declarações de direitos
anteriores. Os artigos conhecidos como os “direitos econômicos, sociais e culturais”
da DUDH estão listados entre os números 22 e 28 do documento.
Com base em uma
classificação didática, estes pertenceriam a uma segunda dimensão de direitos,
sendo que a primeira cobriria os direitos civis e políticos e a terceira os direitos ligados
ao desenvolvimento, ao meio ambiente e à paz.
Os artigos que pertencem a essa dimensão na declaração adota como
justificativa normativa a noção de “dignidade humana”, o que fica claramente evidente
no artigo 22, que inicia essa seção da DUDH:
Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança
social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e
de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos
econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre
desenvolvimento da sua personalidade.
A ideia de “dignidade humana” presente na Declaração Universal dos Direitos
Humanos encontra respaldo nas ideias do filósofo Immanuel Kant. Sua filosofia parte
do princípio que o homem, por ser capaz de determinar suas ações, ou seja, detém
autonomia sobre sua própria vontade, o que é uma característica essencial de um ser
racional, torna-se um “um fim absoluto em si mesmo”.
Contudo, apesar desse suposto respaldo na filosofia kantiana, os direitos
previstos entre os artigos 22 e 28 da declaração são reflexo direto de uma
fundamentação teórica completamente diversa, podendo ser considerada por alguns, Há um grupo de artigos presentes na Declaração Universal dos Direitos
Humanos que são totalmente diferentes (em alguns casos até mesmo contrários
doutrinariamente) aos fundamentos tradicionais das famosas declarações de direitos
anteriores. Os artigos conhecidos como os “direitos econômicos, sociais e culturais”
da DUDH estão listados entre os números 22 e 28 do documento.
Com base em uma
classificação didática, estes pertenceriam a uma segunda dimensão de direitos,
sendo que a primeira cobriria os direitos civis e políticos e a terceira os direitos ligados
ao desenvolvimento, ao meio ambiente e à paz.
Os artigos que pertencem a essa dimensão na declaração adota como
justificativa normativa a noção de “dignidade humana”, o que fica claramente evidente
no artigo 22, que inicia essa seção da DUDH:
Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança
social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e
de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos
econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre
desenvolvimento da sua personalidade.
A ideia de “dignidade humana” presente na Declaração Universal dos Direitos
Humanos encontra respaldo nas ideias do filósofo Immanuel Kant.
Sua filosofia parte
do princípio que o homem, por ser capaz de determinar suas ações, ou seja, detém
autonomia sobre sua própria vontade, o que é uma característica essencial de um ser
racional, torna-se um “um fim absoluto em si mesmo”.
Contudo, apesar desse suposto respaldo na filosofia kantiana, os direitos
previstos entre os artigos 22 e 28 da declaração são reflexo direto de uma
fundamentação teórica completamente diversa, podendo ser considerada por alguns, sua vida, entendida por ele como o direito a ter meios de subsistir de forma digna.
Portanto, a única forma disso ocorrer é que, estando em vigor o pacto social, os meios
físicos por onde os indivíduos retiram seus alimentos, possam ser usufruídos ou de
maneira igual pelos cidadãos ou “na medida em que todos eles têm alguma coisa e
nenhum tem demais”.
A concepção rousseana de liberdade e igualdade, que difere bruscamente do
significado dado a esses termos pelos filósofos jus-naturalistas, foi essencial para o
surgimento histórico dos direitos econômicos e sociais, os quais se deram durante o
século XIX e início do XX. Nesse período, os novos movimentos filosóficos, sociais,
políticos e científicos influenciaram significativamente o papel do Estado na sociedade
e do conteúdo do ordenamento jurídico, estes ainda em parte sobre bases
jus-naturalistas racionais presentes nas famosas declarações de direitos do século
anterior. Dentre estes movimentos, dos quais fazem parte o antissemitismo, o racismo
e o sexismo (todos respaldados agora por um suposto conteúdo biológico), o
nacionalismo e o socialismo/comunismo foram os dois grandes destaques.
O movimento nacionalista ganhou expressão histórica logo após Napoleão
Bonaparte ter sido definitivamente derrotado em 1815. O grande fator de ebulição do
nacionalismo deve-se em parte as conquistas militares de Napoleão no continente
europeu, que além de derrubar do poder durante algum tempo certos monarcas, como
foi o caso da Espanha e Portugal, o que catalisou a independência das colônias na
América Latina, também modificou o ordenamento jurídico dos países conquistados,
influenciado em parte pelos ideais oriundos da Revolução Francesa.
O sentimento
nacional teve dois efeitos históricos: o primeiro foi ter deslocado a noção de soberania
do povo, que antes pertencia ao monarca e tinha lhe sido passada por meio das
revoluções do século passado, para a nação, que seria agora a representação do
povo; e o segundo foi o aparecimento da preocupação com a questão da imigração e
da xenofobia, ambas fundadas sobre a ideia de preservação dos “elementos
tradicionais” da nação, como a etnia e a língua.
Por sua vez, o socialismo/comunismo teve como meta ideológica propulsora a
igualdade social e econômica dos mais diversos grupos na sociedade.
Apesar de um
objetivo comum, este movimento se dividiu em várias vertentes, em que englobava
desde experimentos comunitários, como fábricas e cooperativas controladas por
trabalhadores, como a luta pela participação política, que visava por meio da representação no Legislativo criar leis que favorecessem as classes trabalhadoras e
os indigentes, e finalmente os revolucionários, que pretendiam tomar o poder e abolir
a estrutura econômica (capitalismo) e social (classes) vigente até então.
No que tange o movimento nacionalista, um dos grandes filósofos a contribuir
com o seu avanço durante esse período foi o alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel.
Na concepção de Hegel, o Estado seria a “síntese” do processo conflituoso entre
forças opostas presente na sociedade (a “dialética”), logo, é uma encarnação
concreta e efetiva dos direitos dos cidadãos livres. Posto isto, ele conclui que o
sentimento patriótico é a clara noção consciente que os interesses de todos os
indivíduos estão conservados dentro do Estado.
Nesse sentido, afirma Hegel (1997, p.226):
Em face do direito privado e do interesse particular, da família e da sociedade
civil, o Estado é, por um lado, necessidade exterior e poder mais alto;
subordinam-se lhe as leis e os interesses daqueles domínios mas, por outro
lado, é para eles fim imanente, tendo a sua força na unidade do seu último
fim universal e dos interesses particulares do indivíduo; esta unidade
exprime-se em terem aqueles domínios deveres para com o Estado na
medida em que também têm direitos.
Portanto, na filosofia hegeliana, há uma completa subversão do ideal
jus-naturalista exposto no campo político pelas teorias contratualistas, em especial a
de Locke.
Se nesta, o Estado é um ente artificial criado por indivíduos livres com o
único objetivo de resguardar os direitos naturais que lhes são pré-existentes, em
Hegel é o Estado, sendo este a superação dos conflitos oriundos do corpo social, em
outros termos a “unidade substancial”, que permite que a existência da sociedade civil
e da família, além dos indivíduos, exista como são.
É importante ressaltar que há uma conexão teórica essencial entre essa visão
hegeliana do Estado e a defendida pelo filósofo inglês Thomas Hobbes, em sua
famosa obra Leviatã. Para este famoso teórico contratualista, a situação dos
indivíduos no estado natural, ou seja, aquele momento idealizado pelos filósofos que
antecede a existência do Estado é de eterno conflito, bellum omnia omnes (“guerra
de todos contra todos”).
Hobbes (2003, p. 112-113), ao contrário de Locke, nega o caráter racional e
inato dos direitos no ambiente anterior à existência do Estado. Em sua teoria, só há
um único “direito” individual existente no estado de natureza, que é:
[...] a liberdade que cada homem possui de usar o seu próprio poder, da
maneira que quiser, para a preservação da sua própria natureza, ou seja, da
sua vida; e consequentemente de fazer tudo aquilo que o seu próprio
julgamento e razão lhe indiquem como meios mais adequados a esse fim.
Por liberdade entende-se, conforme a significação própria da palavra, a
ausência de impedimentos externos, impedimentos que muitas vezes tiram
parte do poder que cada um tem de fazer o que quer, mas não podem obstar
a que use o poder que lhe resta, conforme o que o seu julgamento e razão
lhe ditarem. [...] E dado que a condição do homem (conforme foi declarado
no capítulo anterior) é uma condição de guerra de todos contra todos, sendo
neste caso cada um governado pela sua própria razão, e nada havendo de
que possa lançar mão que não lhe ajude na preservação da sua vida contra
os seus inimigos, segue-se que numa tal condição todo homem tem direito a
todas as coisas, até mesmo aos corpos uns dos outros.
Portanto, enquanto
perdurar este direito natural de cada homem a todas as coisas, não poderá
haver para nenhum homem (por mais forte e sábio que seja) a segurança de
viver todo o tempo que geralmente a natureza permite aos homens viver.
Essa noção muito peculiar de Hobbes sobre direito natural (com a qual
Rousseau viria a concordar em suas obras) é flagrantemente oposta aos dos demais
filosóficos jus-naturalistas.
Se para estes, apesar de certas distinções teóricas, o
indivíduo é dotado de forma inata e inalienável ao direito a vida, a liberdade e à
propriedade, pode-se considerar, portanto, que há parâmetros normativos que
definem o que é justo ou não para todos. Ainda para Hobbes o verdadeiro “direito
natural” consiste essencialmente em o indivíduo poder agir da forma que bem
entender para satisfazer suas vontades, alimentadas pelos seus sentidos e paixões
particulares. Não há assim, para ele, parâmetros de certo ou errado, justo ou injusto,
no estado de natureza.
A solução apontada por Thomas Hobbes para estabelecer a paz permitindo
assim a existência da sociedade civil organizada, observando esse cenário descrito
por ele do estado natural, é o estabelecimento do Estado, o qual é instituído por um
pacto entre os homens para utilizar “um poder comum que os mantenha em respeito,
e que dirija as suas ações para o benefício comum” (2003, p. 147).
É justamente neste
ponto que há uma confluência (apesar da discordância de como isto ocorreria) entre
a noção de Hegel e Hobbes para o Estado, posto que os homens necessitariam
conferir toda a sua força e poder a um homem, ou a uma assembleia de homens, que
possa reduzir todas as suas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade.
Por seu turno, o socialismo/comunismo teve como representantes filosóficos
principais Joseph Proudhon, Mikhail Bakunin, Friedrich Engels e Karl Marx, sendo
estes dois últimos os mais proeminentes. A base essencial dessa corrente ideológica
consiste na noção de que a sociedade civil é dividida em classes sociais, cada uma
com costumes e valores próprios, que estariam em permanente conflito de interesses.
E a principal causa da origem dessas classes seria a existência da propriedade
privada.
Essa posição teórica, que ficou mundialmente conhecida por meio das obras
de Marx, afirma que, historicamente, uma classe social sobrevive via exploração da
mão de obra da outra classe que lhe seria antagônica, e que para isso utiliza-se do
poder do Estado para legitimar esse processo. Por conta disso, defende Marx, que
caberia historicamente à classe explorada (que no período dele seria o “proletariado”,
os trabalhadores das fábricas e indústrias) se insurgir contra esse processo, por meio
de uma revolução social que findaria com o sistema econômico em vigor (o
capitalismo) e assumiria o controle do Estado, instalando a “ditadura do proletariado”,
a qual teria por missão final acabar com as divisões de classes.
No campo jurídico, Marx simplesmente transferiu sua análise de classes da
sociedade para o direito. Assim, para ele a função das normas jurídicas consiste em
“estabelecerem determinadas instâncias que possibilitem o próprio funcionamento do
sistema”.
Sintetizando a visão de Marx sobre o papel do direito e consequentemente do
Estado, afirma Mascaro (2002, p.119):
Configura o direito, assim, fundamentalmente, a característica de um direito
de classe, histórico, e no interesse da classe exploradora.
Da mesma forma
que o Estado, o direito não nascerá da vontade geral – portanto não é
fundado no contrato social, nem numa pretensa paz social ou congêneres –
, e também não terá, definitivamente, nada em comum, com as modernas
teorias do direito que o fundavam num direito natural, eterno e de caráter
racional. Toda a lógica do direito não está ligada às necessidades de bem comum, nem as verdades jurídicas transcendentes. Está intimamente ligada,
sim, à própria práxis, à história social e produtiva do homem.
A tese da teoria da exploração de classes serviu de justificativa política e
fundamento jurídico para a adoção de várias medidas interventoras do Estado na
economia e na sociedade durante os séculos XIX e XX. Graças a ela, o Estado
desenvolveu a moderna política social voltada para “proteger” os trabalhadores da
“exploração” dos empregadores, criando leis de salários mínimos, estabelecendo
limites de horas trabalhadas, vedando o emprego da mão de obra de crianças e
mulheres, além da criação de uma rede de seguro aos desempregados, desvalidos
ou idosos, como o seguro-desemprego e o benefício financeiro para os aposentados.
Portanto, foram em face destas bases teóricas que essa nova classe de direitos
surgiu e desenvolveu-se. Primeiramente, no âmbito nacional, sobre a nomenclatura
de “direitos fundamentais”, e depois atingindo o caráter de “direitos humanos”, os
quais se encontram presente em nível internacional graças a Declaração Universal
dos Direitos Humanos da ONU sob a alcunha de “direitos econômicos, sociais e
culturais”.
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