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Estágio, didática e identidade docente no ensino superior


 ESTÁGIO, DIDÁTICA E IDENTIDADE DOCENTE NO ENSINO SUPERIOR

 O Papel da Didática na Formação do Professor: Abordagens e Fundamentos Teóricos 

 Conceito de didática 


De uma forma simplificada, A DIDÁTICA é a ciência que estuda o processo de ensino-aprendizagem. Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, didática pode ser:
*A arte de transmitir conhecimentos; 
* A técnica de ensinar;
*  A parte da pedagogia que aborda os preceitos científicos para tornar a atividade educativa mais eficiente. Como se pode observar, a didática é a “ciência responsável pelo processo de ensino-aprendizagem, interligada à pedagogia”.

Para entender a complexidade dessas áreas de estudo, cabe lembrar que a pedagogia e a didática trabalham de modo interdisciplinar ou transdisciplinar com outras ciências, tais como a história, a psicologia, a sociologia, a filosofia etc. Libâneo (1994) ressalta que a educação escolar se destaca na vivencia das atividades humanas acumuladas ao longo da vida, levando em consideração a visão do homem como um ser social. Desse modo, a didática garante o fazer pedagógico no processo educativo em suas diversas dimensões. Cabe destacar que o objeto de estudo da didática é amplo, conforme os variados autores que apresentam diferentes demarcações acerca dela. Masetto (1996), por exemplo, ensina que a didática é o estudo do processo ensino aprendizagem em sala de aula e de seus resultados e que surge quando os adultos começam a intervir na atividade de aprendizagem das crianças e jovens, por meio da direção deliberada e planejada do ensino. Diante do exposto, é possível investigar como jovens e crianças adentram o espaço escolar e processam conhecimento e informação, refletindo sobre como os docentes se relacionam nesse ambiente, observando seu modo de agir perante os discentes e também o impacto dessa relação afetiva sobre a interação com os alunos. O conceito de didática pode ser adotado e desenvolvido:
* O estudo do processo de ensino e aprendizagem, com o objetivo de propor o trabalho com práticas que incentivem a produção em vez da reprodução;
* A divergência muito mais do que a convergência;
* A crítica em lugar da aceitação;
* A dúvida no lugar das certezas cristalizadas;
* O erro provisório em detrimento do acerto fácil. Vale destacar que o objetivo de qualquer profissional deve ser o de se tornar cada vez mais competente em sua atuação, portanto a melhoria da atuação docente passa pela análise que cada um faz de sua própria pratica e dos eventuais contrastes que podem ser observados, comparando-se com outras práticas. Hoje se considera falsa a ideia de que um bom professor é aquele que dispõe de comunicabilidade fluente e de sólidos conhecimentos relacionados à disciplina que leciona. 

Os estudantes, principalmente os universitários, esperam que seus professores sejam muito mais do que meros transmissores de conhecimento ou solucionadores de dúvidas. Repensar a formação do profissional no ensino superior passou a ser uma necessidade, pois até́bem pouco tempo o ensino superior ocupava-se mais com a formação de pesquisadores do que com a de docentes, subentendendo-se que excelência em pesquisa seria diretamente proporcional à competência do professor. Em outras palavras, quanto melhor pesquisador, mais competente o professor seria.


 Evolução histórica da didática

Comênio:


No século XVII, Joao Amós Comênio (1592-1670), educador tcheco, escreveu a primeira obra clássica sobre didática, intitulada Didactica Magna. Sua obra, de caráter revolucionário e pautada por ideais religiosos, já que foi escrita no contexto da Reforma Protestante, desenvolvia o que se acreditava ser um método único para ensinar tudo a todos. Comênio, ao escrever o seu livro, refletiu na obra as preocupações do educador em uma Europa dividida pelas lutas religiosas e em processo de transformação ante a ascensão na vida social da burguesia comerciante e o avanço das ciências. 

Seu projeto educacional foi uma resposta aos anseios e às exigências de uma classe que, revolucionando o mundo da produção, alterava com rapidez as relações sociais. 

 Naquele contexto, segundo a “Di- dactica Magna”, ao ensinar um assunto, o professor deveria apresentar sua ideia de forma clara e breve, pois a concepção de ensino preconizada na obra previa que os discentes aprendiam por meio dos sentidos, principalmente vendo e tocando. Era necessário, inclusive, mostrar a utilidade específica do conhecimento transmitido e sua aplicação no dia a dia. 

As ideias de Comênio eram centradas na explicação do todo para as partes, sendo que, primeiro, o docente apresentava os tópicos gerais da disciplina e, posteriormente, os detalhes. Finalmente, o educador somente adentraria outro conteúdo quando o aluno dominasse o assunto inicial. 

 Segundo Pimenta (2002), o ensino, de acordo com a didática comeniana, fundamenta-se na própria natureza, ou seja, cada educando tem um tempo diferenciado para a aprendizagem, sendo que as condições propiciadas na construção do conhecimento é que farão a diferença na aprendizagem. Incompreendido em sua época, Comênio teve influência considerável no desenvolvimento de métodos de instrução mais rápidos e eficientes. O seu desejo era o de que todos pudessem usufruir dos benefícios do conhecimento. Esse pensamento também designava um avanço. 

 Apesar da grande novidade contida nessas ideias, principalmente por se tratar de um impulso ao surgimento de uma teoria do ensino, Comênio não escapou de algumas crenças usuais naquela época sobre o ensino. Embora partindo da observação e da experiência sensorial, mantinha-se o caráter transmissor do ensino; apesar de ter procurado adaptar o ensino às fases do desenvolvimento infantil, mantinha-se o método único e o ensino simultâneo a todos. 

 Além disso, a sua ideia de que a única via de acesso dos conhecimentos é a experiência sensorial com as coisas não foi suficiente, primeiro porque as percepções frequentemente poderiam ser (e são) enganosas; segundo, porque já se assimilava a ideia de que existia uma experiência social acumulada de conhecimentos sistematizados que não necessitavam ser descobertos novamente. Como se pode constatar, desde aquele período, os ensinamentos faziam parte da didática do professor, que tinha como foco em sua pratica, a aprendizagem do educando. Além de Comênio, é importante ressaltar a contribuição de Rousseau. 

Jean-Jacques Rousseau e sua influência em Pestalozzi: 

No século XVIII, Rousseau (1712-1778) provocou uma nova revolução didática. A grande contribuição de Rousseau diz respeito ao questionamento quanto à educação: “Como podemos educar sem ter o conhecimento do que é criança?”. Sabe-se que Rousseau idealizou todo o segmento da didática, criou os princípios pedagógicos, porém não colocou suas ideias em pratica. O teórico que aplicou a teoria foi Pestalozzi (1746-1827); toda a inserção pedagógica desse estudioso é influenciada pela concepção naturalista de Rousseau. 

Pestalozzi: 

Solidificou a ideia da educação como instrumento de regeneração social. Para ele, a educação do homem era resultado puramente moral, sendo que o educador funcionava como uma barreira para que influencias desagradáveis não interferissem no desenvolvimento natural do educando. 

Pestalozzi atribuía grande importância ao método intuitivo, levando os alunos a desenvolver o senso de observação, de análise dos objetos e fenômenos da natureza e a capacidade da linguagem por meio da qual se expressa em palavras o resultado das observações. A educação intelectual consistia desses parâmetros. Pestalozzi também atribuía importância fundamental à psicologia da criança como fonte do desenvolvimento do ensino. 

O estudioso considerava que todas as pessoas nascidas eram boas e que o caráter era formado com base no ambiente em que se dava o seu desenvolvimento, defendendo a possibilidade de a sociedade se transformar por meio da educação, de modo que o educando obtivesse um desenvolvimento pleno. A estratégia utilizada por Pestalozzi se concentrava no que chamamos hoje de sequência didática, ou seja, os docentes organizavam um conjunto de aulas e/ou atividades que possuíam o mesmo objetivo, com o intuito de desenvolver as habilidades intelectuais e morais. 

 Nesse método, o docente parte do simples para o complexo, realizando, inicialmente, atividades que fazem parte da realidade em que os discentes estão inseridos, para posteriormente aprofundar o conhecimento de forma sistematizada. Pestalozzi formulou princípios que contribuem para o entendimento de sua visão sobre a prática pedagógica do educador. Os seus princípios são estudados até́ os dias de hoje como referências para profissionais da educação. O amor, o respeito  mútuo e a individualidade do aluno são valores que, entre outros, os docentes procuram utilizar em suas rotinas.


Pensadores da Didática Contemporânea

* Comênio, Rousseau e Pestalozzi influenciaram muitos educadores com suas ideias, pois estas interferiram na prática docente.
* Herbart, precursor de Pestalozzi, construiu seus princípios educacionais fundamentados na ideia da unidade, segundo a qual o homem nasce e, a partir das influências externas sofridas por ele, sua relação com o ambiente se desenvolve, em um sentido ou em outro, por meio da percepção sensorial, estabelecendo representações formadas e suas combinações. Esse educador considera que a educação é responsável pela formação das representações e que a função da escola é a de ajudar o aluno a desenvolver e a integrar essas representações mentais. Herbart aplicou um método instrucional detalhado, em passos que deviam ser seguidos conduzidos da seguinte maneira: o Preparação; o Apresentação; o Sistematização; o Aplicação. 

 Com essa proposta, ele reforçou a instrução como metodologia de ensino aplicada ao processo educativo.
* Comênio, Rousseau, Pestalozzi, Herbart e outros educadores da época difundiram ideias, demarcando concepções pedagógicas que hoje são conhecidas como não críticas (Pedagogia Tradicional e Pedagogia Renovada).
* Dewey (1859-1952) e seus seguidores reagiram às ideias herbartianas de educação pela instrução, advogando a educação pela ação. Para esse educador, a atividade escolar deveria centrar-se na experiência e na reconstrução da experiência. 

 O currículo não deveria se basear nas matérias de estudo convencionais, que expressam a lógica adulta, mas em atividades da vida presente, que são as requeridas para viver em sociedade. Dewey revolucionou a didática ao criar o método de projeto em que o aluno é o centro da ação na escola e não o professor. No Brasil, o movimento educacional denominado Escola Nova ganhou força em meados de 1930. Destacam-se, como vertentes dessa corrente, Montessori (corrente vitalista) e Piaget (corrente baseada na psicologia genética). Na  vertente escolanovista não entram fins e valores, que fariam parte do campo da filosofia, uma vez que não são passíveis de verificação experimental. Dessa forma, didática e pedagogia ficam restritas aos métodos e procedimentos, compreendidos como aplicação dos conhecimentos científicos e traduzidos em técnicas de ensinar. 

Na década de 1960 e, principalmente, no final do século XX, com o advento do desenvolvimento tecnológico, emerge um novo paradigma didático: o campo do didático se resumiria ao desenvolvimento de novas técnicas de ensinar, e o ensino, à aplicação delas nas diversas situações. Ganham importância, então, as técnicas do planejamento racional das situações de ensino. À didática, portanto, caberia disponibilizar, aos futuros professores, os meios e os instrumentos eficientes para o desenvolvimento e o controle do processo de ensinar, visando à maior eficácia nos resultados do ensino. Nessa perspectiva de processo-produto, não cabe à didática questionar os fins do ensino, uma vez que já estão previamente definidos pela expectativa que a sociedade (dominante) tem da escola: preparar para o mercado de trabalho. Essa passa a ser o critério de avaliação do sistema escolar. (PIMENTA, 2002) 

Foram destacados, até́ aqui, alguns filósofos e educadores que contribuíram para transformar o processo de ensino e, consequentemente, o de aprendizagem. Observe que, ao defender suas ideias, a partir da reforma de métodos de ensino, propondo práticas educativas inovadoras para suas respectivas épocas, esses educadores acreditaram no processo educativo e demonstraram a importância de se posicionar diante de novas concepções educacionais.


A Didática e a Construção da Identidade Docente no Ensino Superior

A docência do ensino superior possui características que instigam a ânsia em pesquisar algumas questões singulares como a construção da identidade do professor que atua no nível superior. Nas diferentes áreas os professores com formação inicial em bacharelado, são preparados na academia para atuarem no mercado de trabalho como detentores de conhecimentos específicos que são utilizados em seus locais de trabalho. Este mesmo profissional, por inúmeros motivos, se vê em uma sala de aula, agora não mais como aluno, mas como professor. Aquele que formará novos profissionais agentes da construção social.

Pimenta e Anastasiou (2008), admitem a necessidade de as instituições de nível superior desenvolverem programas de preparação de seus professores para o exercício da docência. Preparo este que os ponha a par da problemática do ensinar e  formar. 

O professor universitário aprende a sê-lo mediante um processo de socialização em parte intuitiva, autodidata ou seguindo a rotina dos “outros”. Isso se explica pela inexistência de uma formação específica como professor universitário. Nesse processo ressalta-se a importância de sua própria experiência como aluno, o modelo de ensino universitário que vivenciou e as reações de seus alunos em sala de aula. Embora haja certo consenso de que a docência no ensino superior não requer formação pedagógica, a preocupação com a qualidade do ensino superior aponta para a importância da preparação no campo pedagógico (PIMENTA; ANASTASIOU, 2008). 

Com o avanço das descobertas tecnológicas, a educação e a tecnologia estão atuando cada vez mais unidas a fim de diminuir as distâncias e flexibilizar a forma de ensinar ao aluno que busca qualificação, mas que por diversos motivos não consegue se adaptar a uma rotina exigida pela educação presencial. Estas novas ferramentas de ensino e aprendizagem exigem deste professor, em formação constante, atualização e domínio dos sistemas de informação que permitem que a Educação a Distância (EaD) aconteça.


Na EaD, a interação com o professor é indireta e tem de ser mediatizada por uma combinação dos mais adequados suportes técnicos de comunicação, o que torna esta modalidade de educação bem mais dependente da mediatização que a educação convencional, de onde decorre a grande importância dos meios tecnológicos (BELLONI 2009, P. 54).


Os professores atuantes nas Instituições de Ensino Superior (IES), em sua maioria, tiveram, formação na modalidade presencial e por muitas vezes desconhecem a forma de ensino e aprendizagem que a EaD utiliza. Como o professor é moldado a partir de suas experiências, a falta de contato com esta nova forma de ensino o deixa inseguro e desacreditado quanto aos métodos utilizados. 

 A construção da identidade do professor envolve uma gama de conhecimentos específicos e pedagógicos contextualizados histórico, sócio, culturalmente. As situações que o professor vivencia em sala de aula o ensina na prática como se portar e responder aos processos e reações que a relação aluno/professor/instituição de ensino causam no cotidiano. Suas ações e decisões são baseadas nas experiências que viveu como aluno e em seus professores, os quais ele enxerga como exemplo de atuação. 

Aponta-se a importância de pesquisas e estudos voltados para as trajetórias de vida dos professores, contemplando o modo como articulam o pessoal e o profissional e, consequentemente, como vão se (trans)formando ao longo do tempo, contribuindo assim para o conhecimento de ser professor. O professor é um ser único, entretecido pela trajetória pessoal e profissional, pressupondo que o mesmo é uma pessoa que se constrói nas relações que estabelece com os outros que lhe são significativos, com a história social que permeia e com sua própria história. O tema do professor universitário, no contexto de suas trajetórias, enfatiza sua condição de sujeito e como um dos atores do processo educativo superior. Compreende-se que a trajetória de constituição/construção desse professor dá-se pela dinâmica de acontecimentos contextualizados no percurso pessoal/profissional (MOROSINI, 2001). De forma esclarecedora, Pimenta e Anastasiou (2008) expõem que a área da pedagogia que tem por objetivo de estudo o ensino é a didática. À didática, então, caberia dispor aos futuros professores os meios e os instrumentos eficientes para o desenvolvimento e o controle do processo de ensinar, visando a maior eficácia nos resultados de ensino. Entretanto, no caso da docência universitária essa expectativa, de se resumir a preparação do docente universitário a uma disciplina pedagógica e a didática capaz de apresentar receitas às situações de ensino, é um mito. O ensino, fenômeno complexo, enquanto prática social realizada por seres humanos com seres humanos, é modificado pela ação e relação destes sujeitos, que são, por sua vez, modificados nesse processo. Então ao perceber o fenômeno do ensino como uma situação em movimento e diversa conforme os sujeitos, os lugares e os contextos onde ocorre, não é possível criar regras, técnicas e modos únicos de operá-lo. Apesar das diferenças na forma como o Ensino Superior opera, é regulado e financiado em todo o mundo, há uma série de tendências e desafios globais que merecem atenção. O Ensino Superior está profundamente ligado ao conceito de uma nova realidade mundial, e suas instituições são objetos e agentes da globalização. É urgente a Educação Superior se reinventar, assim como seus professores, de forma a oferecer serviço de qualidade a seus estudantes e a obter mais investimentos. A demanda por Ensino Superior de qualidade é grande e crescente, impulsionada por fatores demográficos e sociais. A população jovem se interessa pelo ensino superior como acesso a atividades profissionais bem-remuneradas (COLOMBO et al, 2011). A Educação Superior tem por finalidade formar profissionais nas diferentes áreas do saber, promovendo a divulgação de conhecimentos culturais, científicos, técnicos e comunicando-os por meio do ensino. Objetiva estimular a criação cultural e científica, incentivando o trabalho de pesquisa e promovendo a extensão. Visa divulgar à população as criações culturais, científicas e tecnológicas geradas nas instituições. (LIBÂNEO et al, 2011) O professor é um agente de construção social. Seus alunos buscam através de seu conhecimento técnico e experiências vividas no mercado de trabalho uma união entre o conhecimento, adquirido em sala de aula, e o momento de atuação, o que lhes parece um caminho muito longo a ser percorrido. Esta troca de experiência gerada entre aluno e professor enriquece o processo de formação do professor e do aluno, que com a troca de conhecimento se transformam e transformam o mundo onde vivem, sua visão e sua vida. Existe a necessidade de relacionar e integrar os conhecimentos objetivos e subjetivos que o professor tem sobre a sua prática com as novas informações que surgem da troca de experiências, do confronto de diferentes pontos de vista e de interpretações teóricas. Na busca de compreender e de resolver uma situação problemática, o professor constrói e reconstrói argumentos para explicar e interagir com seus iguais e/ou com os formadores, no sentido de compartilhar suas ideias. A possibilidade de realizar um processo de interação rico e significativo, garantindo uma boa atividade de reflexão individual e coletiva, vai depender da capacidade de os sujeitos estarem abertos para dar sentido a suas ações e interações (VIEIRA, 2003). Os professores quando chegam à docência na universidade, trazem consigo inúmeras e variadas experiências do que é ser professor. Experiências que adquiriram como alunos de diferentes professores ao longo de sua vida escolar. Formaram modelos “positivos” e “negativos”, nos quais se espelham para reproduzir ou negar. Ser professor universitário supõe o domínio de seu campo específico de conhecimento. A finalidade da educação escolar na sociedade tecnológica, multimídia e globalizada, é possibilitar que os alunos trabalhem os conhecimentos científicos e tecnológicos, desenvolvendo habilidades para operá-los, revê-los e reconstruí-los com sabedoria. O que implica analisá-los, confrontá-los e contextualizá-los. Discutir a questão do conhecimento nos quais são especialistas, no contexto da contemporaneidade, constitui um passo no processo da construção da identidade dos professores (PIMENTA; ANASTASIOU, 2008).


Teoria e Prática Docente

 Até ao menos a segunda metade do século XX, pode-se falar da presença marcante da filosofia nos discursos educacionais. De forma bastante sumária, poderíamos caracterizá-los como uma transposição, para o campo das teorias em educação, das diferentes visões metafísicas, ontológicas ou políticas, originalmente articuladas na obra de um pensador ou solidificadas, a partir de comentadores, em um “sistema de pensamento” ou “doutrina filosófica”. 

Falamos, por exemplo, de uma concepção de educação em Platão ou em Rousseau, porque neles é possível encontrar um conjunto articulado de reflexões sobre os ideais que devem reger os processos educativos, ainda que sempre subordinados às respectivas teorias políticas ou perspectivas acerca da natureza humana, da vida em sociedade, dos fundamentos da ética ou do conhecimento. Esse gênero de discurso inspirou uma série de teorias da educação voltadas para a formação de professores. 

Nelas, procurou-se transpor e adaptar uma rede conceitual originariamente vinculada às grandes questões políticas, epistemológicas e éticas para o âmbito das preocupações teóricas e práticas da educação escolar. Tais tentativas, mais ou menos fiéis aos pensadores que as inspiraram, buscaram derivar de grandes sistemas filosóficos e conceituais algumas medidas práticas, como abordagens de ensino, ou mesmo perspectivas de políticas educacionais.

Até ao menos a segunda metade do século XX, pode-se falar da presença marcante da filosofia nos discursos educacionais. De forma bastante sumária, poderíamos caracterizá-los como uma transposição, para o campo das teorias em educação, das diferentes visões metafísicas, ontológicas ou políticas, originalmente articuladas na obra de um pensador ou solidificadas, a partir de comentadores, em um “sistema de pensamento” ou “doutrina filosófica”. 

Falamos, por exemplo, de uma concepção de educação em Platão ou em Rousseau, porque neles é possível encontrar um conjunto articulado de reflexões sobre os ideais que devem reger os processos educativos, ainda que sempre subordinados às respectivas teorias políticas ou perspectivas acerca da natureza humana, da vida em sociedade, dos fundamentos da ética ou do conhecimento. Esse gênero de discurso inspirou uma série de teorias da educação voltadas para a formação de professores. 

Nelas, procurou-se transpor e adaptar uma rede conceitual originariamente vinculada às grandes questões políticas, epistemológicas e éticas para o âmbito das preocupações teóricas e práticas da educação escolar. Tais tentativas, mais ou menos fiéis aos pensadores que as inspiraram, buscaram derivar de grandes sistemas filosóficos e conceituais algumas medidas práticas, como abordagens de ensino, ou mesmo perspectivas de políticas educacionais.

A filosofia educacional depende da filosofia formal porque quase todos os grandes problemas da educação são, no fundo, problemas filosóficos. Não podemos criticar os ideais e as diretrizes educacionais existentes, nem sugerir novos, sem atentar a problemas filosóficos de ordem geral, tais como a natureza da vida boa, que é um dos alvos da educação; a natureza do próprio homem, porque é o homem que estamos educando; a natureza da sociedade, porque a educação é um processo social; e a natureza da realidade suprema, que todo conhecimento procura penetrar […]. O filósofo educacional pode estabelecer tais teorias deduzindo-as da filosofia formal e aplicando-as à educação (p. 82).


Evidentemente, não se trata do caso isolado de um único autor. Pelo contrário, a ideia de que, a partir desses grandes temas, poderíamos “aplicar”, “deduzir” ou estabelecer linhas de atuação prática em educação é generalizada, inclusive em obras brasileiras de ampla penetração no campo da formação de professores. Como diferentes correntes teóricas elaboram distintas redes conceituais relativas a essas questões, a cada perspectiva teórica deveria corresponder uma “visão pedagógica”. 

Assim, o professor, consciente ou inconscientemente, teria uma concepção de educação vinculada a certas visões filosóficas de homem, de sociedade e de conhecimento. A tarefa de uma “teoria da educação” seria oferecer aos professores modelos alternativos entre os quais ele optaria, orientaria e justificaria sua ação; portanto teorias educacionais sobre as quais sua prática se fundamentaria. 

Contudo, o pressuposto incorre, em primeiro lugar, em grave equívoco do ponto de vista lógico. Não é possível “deduzir” de premissas metafísicas, ontológicas ou epistemológicas um curso necessário de ação ou prática educativa. Isso porque um processo de dedução depende inteiramente da manipulação formal de enunciados, e as conclusões que deles retiramos são fundadas, portanto, unicamente no que está de fato e literalmente expresso nas premissas. 

Com base no que é o homem não podemos “deduzir” como deve ser sua educação, a partir de uma teoria sobre o que é o conhecimento, não se pode deduzir como se deve ensinar, já que as conclusões propostas lançam mão de elementos ausentes nas premissas. Portanto, afirmar que de um conceito de homem podemos deduzir um programa educacional é uma falácia. O que é possível deduzir como princípio educacional de uma “visão materialista-dialética do mundo”?

Os termos em que se expressam princípios políticos, ontológicos, éticos e epistemológicos são demasiadamente amplos para que deles se possa “deduzir” algo relativo às práticas educativas em contexto escolar. Se não se trata de dedução, poderíamos então afirmar que tais posições “implicam”, “condicionam” ou “têm como consequência” uma determinada abordagem prática do ensino ou da educação? Mesmo atenuando a expressão, o problema não se torna mais simples. 

 Em que medida, por exemplo, apresentar a natureza humana como boa, mas corrompida pela vida social, pode implicar ou condicionar uma visão do que deve ser a prática educativa? Com a aceitação desse princípio axiológico, não poderíamos sugerir fins e procedimentos não só muito distintos, mas até conflitantes entre si? Não poderíamos, por exemplo, sugerir a extinção de qualquer tipo de escolaridade formal, dado o fato de que introduz os jovens em um mundo corrompido? Ou, então, sugerir que aprendessem desde cedo a conviver com esse mundo corrompido? Ou buscar educá-los para que se tornem felizes com a corrupção da própria natureza? Qualquer uma dessas perspectivas pode ser “derivada” ou considerada “consequência” do princípio metafísico inicial. Princípios não carregam em si a regra de sua aplicação. Por isso, as práticas podem ser muito variadas e conflitantes, ainda que supostamente ancoradas nos mesmos fundamentos teóricos. Quantas escolas com procedimentos tão distintos professam a mesma fé inabalável nas “teorias construtivistas”? 

 E, além disso, como explicar as desconcertantes semelhanças entre, por exemplo, as escolas da antiga Alemanha Oriental e as escolas conservadoras católicas, ambas supostamente fundadas em ontologias e visões de mundo opostas? O fato é que, assim como a adoção de uma ampla visão de mundo não implica uma prática pedagógica determinada, um mesmo conjunto de práticas escolares pode ter justificativas em perspectivas políticas, ontológicas ou metafísicas muito diferentes. 

 Como ressalta Scheffer (1978), os termos aos quais recorremos ao evocar como matriz essas grandes teorias sobre o homem ou o conhecimento são incapazes de isoladamente produzir quaisquer consequências práticas, pois precisam ser contextualmente suplementados por proposições programáticas de cunho prático, e o salto que vai da rede teórico-conceitual à ação é largo e arriscado, mesmo nos casos em que a teoria inicial venha a ser inegavelmente fecunda para a compreensão de aspectos relevantes da educação. Não se trata de negar a existência de qualquer impacto dessas modalidades de discurso nas práticas educacionais, mas de simplesmente tornar patente o fato de que os problemas educacionais têm especificidades cujo equacionamento exige muito mais do que uma “visão geral de mundo”. 

 A compreensão das peculiaridades históricas e sociais da educação escolar não pode ser lograda por simples analogias ou transposições de conceitos originalmente formulados sobre outros interesses teóricos; tampouco os problemas da prática educativa podem vir a ser interessantemente equacionados com base em perspectivas que ignorem a cultura das instituições escolares. As discussões acerca da democratização da educação, marcantes a partir da segunda metade do século XX, ilustram de forma frisante os limites da transposição mecânica de conceitos e da aplicação acrítica de práticas de um campo social – a “política” em sentido estrito – a outro: as práticas pedagógicas de uma instituição escolar. 

A insistência – presente ainda hoje – em identificar a “democratização da educação” com a mera implantação de métodos pedagógicos e ritos de escolha, como assembleias e eleições, supostamente capazes de cultivar a liberdade do educando, tem resultado no empobrecimento tanto das discussões acerca do conceito de democracia como das que examinam seu vínculo com as práticas educacionais. 

 Seja qual for o valor educativo dessas práticas, sua realização dentro do entorno escolar nunca ultrapassará o estatuto de simulacro de democracia; de faz de conta pedagógico (Azanha, 1986) no qual a liberdade interna da vontade individual é tomada como análoga à liberdade como fenômeno político. Nessa perspectiva, despolitiza-se a questão crucial da democratização do acesso a um patrimônio cultural público em favor de um ideal pedagógico de criação de relações interpessoais supostamente “democráticas” porque alegadamente “igualitárias”. 

É importante ressaltar que não se trata de um problema pontual e restrito à temática aludida. Ao contrário, esse exemplo, quase caricatural, deve ser tomado como ilustrativo de uma modalidade de discurso pedagógico no qual a apropriação dos resultados de uma investigação teórica é feita em abstração de seus processos, contexto e interesses. Não se busca, pois, um modo de pensar a especificidade do campo educação, mas uma forma de “aplicar” aos discursos e práticas pedagógicas os resultados de uma investigação teórica originariamente forjada a partir de outros campos e interesses. 

 Nessa perspectiva, a filosofia deixa de ser um modo de interrogar a educação, com eventuais – embora sempre incertos – impactos em sua prática, para se constituir num suposto estoque de respostas a problemas que diferem substancialmente daqueles que lhe deram origem. Como veremos a seguir, a mera substituição da matriz teórica não implica a superação do modelo, podendo até mesmo agravá-lo.  

Raynner

Raynner

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