As políticas públicas de saúde correspondem a todas as ações de governo que regulam e organizam as funções públicas do Estado para o ordenamento setorial. Referem-se tanto a atividades governamentais executadas diretamente pelo aparato estatal quanto àquelas relacionadas à regulação de atividades realizadas por agentes econômicos.
Configuram uma agenda bastante vasta de temas, que expressam não apenas o leque e a abrangência dos problemas que exigem solução política, mas principalmente os anseios da sociedade e o contexto e os resultados da disputa entre os diferentes atores sociais.
A partir da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que instituiu a Seguridade Social como o padrão de proteção social a ser institucionalizado no país, e, neste âmbito, a saúde como direito de todos e dever do Estado, as políticas de saúde vêm sendo amplamente discutidas e definidas com vistas ao reordenamento setorial necessário ao cumprimento dos preceitos constitucionais.
Vale lembrar, ainda, que a concepção ampliada de saúde adotada na Constituição e o entendimento de que a garantia desse direito exige do Estado políticas econômicas e sociais orientadas à redução de riscos de doenças e outros agravos, não apenas amplia o espectro das políticas públicas relacionadas à saúde como exigem dos formuladores das políticas de saúde a interlocução com outros setores.
Pode-se afirmar que as políticas públicas setoriais e o debate político estão predominantemente referidos, na história recente, ao processo de reconfiguração das atividades governamentais relativas à saúde, particularmente no que se refere à organização, implementação e financiamento do Sistema Único de Saúde e às possibilidades e limites da efetivação dos princípios e diretrizes constitucionais em toda a sua extensão.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 inovou ao organizar a ação do Estado nas áreas de saúde, previdência e assistência social sob a inspiração de um sistema de proteção social internacionalmente reconhecido e associado às políticas de bem-estar e ao objetivo de se buscar maior justiça social.
A concepção de seguridade social está diretamente associada à universalização dos direitos sociais para o exercício pleno da cidadania. Supõe políticas redistributivas e baseadas na solidariedade que assegurem ao conjunto da população o acesso a serviços, benefícios e auxílios sociais com os quais necessita contar para o enfrentamento de determinadas situações de risco à sobrevivência (doença, velhice, acidentes, reclusão), sem que para isso seja necessário um pagamento específico ou contribuição financeira prévia a um sistema de seguro social. Assim, requer uma estrutura de financiamento solidária e a ação articulada das áreas de ação governamental que a compõem.
A Assembleia Nacional Constituinte foi bem-sucedida ao aprovar no texto constitucional uma estrutura de financiamento solidária e com maior estabilidade financeira, apoiada na diversificação das receitas (impostos, contribuições sociais) e na socialização das bases de arrecadação (empregador, empresa, trabalhador, segurado da previdência, concursos de prognósticos).
Tal estrutura se concretizaria com a criação de orçamento único – o Orçamento da Seguridade Social, (OSS) para o qual seriam destinados todos os recursos que financiariam essas três áreas de ação governamental, assegurada a cada uma a gestão dos seus recursos. A negociação e integração das propostas das três áreas para a partilha dos recursos se daria no âmbito de um Conselho Nacional de Seguridade Social, órgão superior de deliberação colegiada, composto por representantes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e da sociedade civil.
No que diz respeito à área da saúde, a universalização desse direito pela Constituição de 1988 promoveu de fato a ruptura da lógica de seguro social que presidia a ação governamental até então, e que resultava, na prática, na garantia de assistência médica especializada e de maior complexidade (ambulatorial e hospitalar) apenas aos trabalhadores do mercado formal de trabalho que contribuíam financeiramente para o sistema de Previdência Social.
Os princípios e as diretrizes estabelecidos para a organização das ações e serviços concorreram para mudanças políticas e institucionais significativas, que vem estruturando desde então um único sistema público, com gestão descentralizada, para o atendimento gratuito a todo e qualquer cidadão, por meio de uma rede regionalizada e hierarquizada no território nacional, com direção única em cada esfera de governo, sem a exigência de contribuição financeira prévia à previdência social.
No entanto, a não operacionalização do Orçamento da Seguridade Social, o gradual esvaziamento do Conselho Nacional de Seguridade Social até sua extinção em 2001, e o processo desarticulado de regulamentação infraconstitucional, descaracterizaram o projeto de Seguridade Social consagrado na Constituição e, em decorrência, a construção das políticas de previdência, assistência social e saúde se deu de forma isolada, não se estabelecendo na prática a integração pretendida.
Toda e qualquer política de saúde deve estar em conformidade com o que dispõem a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e a Lei Orgânica da Saúde (Leis 8080/1990 e 8142/90). A Constituição de 1988, nos seus artigos 196 a 200, estabelece os princípios, diretrizes, bases de financiamento e competências gerais do Sistema Único de Saúde, de uma perspectiva nacional. A Lei 8080/90 dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, e sobre a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, detalhando as seguintes matérias:
* a composição institucional do SUS, seus objetivos e atribuições gerais, princípios e diretrizes, forma de organização, direção e gestão, atribuições comuns e competências específicas de cada esfera político administrativa da federação brasileira (União, estados e municípios);
* o funcionamento e participação dos serviços privados de assistência médica; e, o financiamento do sistema, contemplando disposições relativas às receitas necessárias à realização de suas finalidades, à gestão financeira dos recursos, ao planejamento e orçamentação de suas atividades. Além disso, trata de alguns aspectos da política de recursos humanos e de disposições transitórias relativas a patrimônio, hospitais universitários, convênios SUDS, alguns aspectos da relação com o setor privado (gratuidade das ações e serviços, participação no investimento em ciência e tecnologia).
A Lei 8142/90, promulgada por força de um amplo processo de pressão e negociação política, complementa a Lei 8080/90 especialmente no que se refere à participação da comunidade na gestão do sistema e às transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde, matérias que foram objeto de vetos presidenciais quando da promulgação da Lei 8080.
Vale destacar que no ano 2000, foi aprovada uma emenda constitucional, a Emenda Constitucional nº 29, já incorporada ao texto constitucional, que estabeleceu um patamar para a aplicação de recursos dos orçamentos públicos (União, estados, do Distrito Federal e Municípios), para o financiamento das ações e serviços de saúde.
Em termos normativos, destacam-se as Normas Operacionais Básicas do Sistema Único de Saúde (NOB-SUS). As normas operacionais, editadas em portarias do Ministério da Saúde e publicadas no Diário Oficial da União, se constituíram no instrumento normativo para a operacionalização da diretriz de descentralização das ações e serviços; para a organização da gestão descentralizada do SUS, para a reorganização do modelo de atenção à saúde no país, e por fim, para a orientação do processo de regionalização da assistência à saúde.
Correspondem à síntese das negociações e dos pactos firmados entre os gestores dos três níveis de direção do SUS – nacional, estadual e municipal – na Comissão Intergestores Tripartite, discutida e aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde. No período 1991/2002, foram publicadas quatro normas operacionais: a NOB-SUS 01/91, (revisada e reeditada em 92); a NOB-SUS 01/93; a NOB-SUS 01/96; e, a Norma Operacional da Assistência à Saúde (NOAS-SUS) 01/2001 (revisada e reeditada em 2002).
Os objetivos, princípios e diretrizes constitucionais para a organização da ação governamental em saúde constam do Capítulo II (Da Seguridade Social) do Título VIII (Da Ordem Social) da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. A Constituição estabelece que compete ao poder público organizar sua atuação nas áreas de saúde, previdência e assistência social no âmbito da Seguridade Social, com base nos seguintes objetivos: universalidade da cobertura e do atendimento; uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; equidade na forma de participação no custeio; diversidade da base de financiamento; caráter democrático e descentralizado da administração.
No que se refere à saúde, uma rede de ações e serviços regionalizada e hierarquizada no território nacional deve constituir um sistema único – o Sistema Único de Saúde (SUS), regido pelos seguintes princípios e diretrizes principais: universalidade do acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; integralidade da assistência; igualdade na assistência; descentralização político- administrativa, com direção única em cada esfera de governo; e participação da comunidade.
O texto constitucional estabelece ainda que as ações e os serviços de saúde providos pelo sistema de saúde podem ser executados diretamente por instituições públicas ou, complementarmente, por instituições privadas através de pessoa física ou jurídica de direito privado, conveniadas ou contratadas mediante contrato de direito público, cabendo ao poder públicos sua regulamentação, fiscalização e controle.
A operacionalização destes princípios e diretrizes no processo de implantação do Sistema Único de Saúde, particularmente no que diz respeito à implementação da gestão descentralizada das ações e serviços de saúde, vem se realizando por meio de normas operacionais editadas pelo Ministério da Saúde, após amplo processo de pactuação entre os gestores da saúde das três esferas de governo e o exame e aprovação pelo Conselho Nacional de Saúde.
Para o detalhamento das disposições legais e regulamentações complementares que orientam a formulação e operacionalização das políticas de saúde, consultar as Leis nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, e nº 8142, de 28 de dezembro de1990 (Lei Orgânica da Saúde); a Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991 (Lei Orgânica da Seguridade Social); a Lei Orgânica da Assistência Social (lei 8742/1993); as Normas Operacionais Básicas do SUS 01/93 e 01/96 e a Norma Operacional da Assistência à Saúde 01/02 de 27 de fevereiro de 2002.
A história das políticas de saúde no Brasil pode ser contada a partir de pelo menos duas trajetórias institucionais distintas: a trajetória institucional do campo da saúde pública e a trajetória institucional do campo da assistência médica. Antes do SUS, o Ministério da Saúde (MS), com o apoio dos estados e municípios e de fundações financiadas com recursos internacionais, desenvolvia quase que exclusivamente, e sem qualquer tipo de discriminação com relação à população beneficiária, ações de promoção e proteção da saúde por meio de atividades educativas e preventivas, típicas do campo da saúde pública, entre as quais se destacam: campanhas sanitárias para o controle e profilaxia de doenças como tuberculose, hanseníase, doenças sexualmente transmissíveis, serviços de combate a endemias; saneamento básico; imunizações, alimentação a nutrição, educação para a saúde.
No que se refere às ações para recuperação da saúde, o Ministério da Saúde realizava algumas atividades de assistência médica em poucos hospitais especializados, nas áreas de psiquiatria e tuberculose.
Essas ações eram dirigidas àquela parcela da população definida como indigente, não inserida no mercado de trabalho. Essa população contava também com as Santas Casas de Misericórdia e hospitais universitários.
No campo da assistência médica, a atuação do poder público se deu no âmbito das instituições relacionadas à Previdência Social, inicialmente participando apenas na regulamentação das Caixas de Aposentadorias e Pensões - CAPs (organizadas por empresas); depois participando na regulamentação, na gestão tripartite e, timidamente, no financiamento dos Institutos de Aposentadorias e Pensões - IAPs (organizados por categorias profissionais), que substituíram as CAPs; em seguida na gestão do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), que unificou institucionalmente os IAPs, uniformizando por cima o direito de todos os segurados a eles filiados, e estendeu a cobertura a todos os trabalhadores com profissão regulamentada e inseridos no mercado formal de trabalho.
No interior destas instituições foi se configurando a rede de serviços de atenção à saúde, de complexidade crescente, que formou o sistema assistencial do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social – INAMPS criado nos anos 70 como órgão específico para as funções da assistência à saúde no âmbito do Ministério da Previdência e Assistência Social, no contexto de criação do Sistema Nacional da Previdência e Assistência Social (SINPAS). A ação governamental no campo da assistência médica, portanto, foi organizada como direito restrito à parcela da população que contribuía, com parte do seu salário, para o sistema de previdência social.
Em síntese, a história da ação do Estado nesta área social desenvolveu-se a partir de duas trajetórias institucionais principais: a das ações e serviços de saúde pública/saúde coletiva, dirigida à população em geral, sob responsabilidade das esferas subnacionais de governo e do Ministério da Saúde; e as ações de assistência médica ambulatorial e hospitalar, realizadas pela Previdência Social, dirigidas, principalmente, aos trabalhadores empregados no mercado formal de trabalho urbano.
Cada uma com financiamento, administração, lógica e cultura institucional própria. Este percurso resultou no desenvolvimento de um padrão de intervenção estatal centralizado, fragmentado institucionalmente, e que, segmentando clientelas, produziu grandes disparidades no acesso da população brasileira a ações e serviços públicos de saúde. A proposta de construção de um único sistema de saúde foi desenvolvida no âmbito de um amplo movimento político pela reforma do setor saúde, identificado como movimento sanitário.
O movimento sanitário atravessou os anos 70 e 80, formado por uma frente de oposição e crítica ao padrão centralizado, fragmentado e desigual de intervenção estatal no campo sanitário, que reuniu profissionais de saúde com atuação nas áreas de pesquisa, formação de recursos humanos, serviços e formulação de políticas, partido políticos progressistas, movimentos populares pela saúde, movimento sindical, movimento municipalista.
As críticas destacavam o acesso restrito e desigual da população brasileira a ações e serviços públicos de saúde para a resolução de seus problemas; a distribuição irracional e territorialmente concentrada da oferta de ações e serviços públicos de saúde; a ação fragmentada das esferas nacional e subnacionais de governo na gestão dos problemas sanitários; a ação desarticulada das diferentes redes de serviços (básica especializada e de atendimento hospitalar); o desperdício de recursos financeiros; o planejamento e a gestão pública centralizada – frutos da trajetória fragmentada da política de saúde brasileira e da centralização da ação governamental no regime autoritário.
A ideia de criação de um sistema único de saúde, assim denominado, foi sendo construída por este amplo movimento político, com o propósito de reorganizar a ação do Estado no território nacional, visando assegurar o acesso universal e igualitário da população a um cuidado integral a sua saúde, sem qualquer discriminação e independentemente da oferta de serviços disponível em seu lugar de moradia, por meio de uma rede nacional de ações e serviços descentralizada, hierarquizada e regionalizada, com gestão política também descentralizada e participativa, capaz de dar maior resolutividade, eficácia e qualidade à atenção à saúde de toda a população brasileira.
Esta rede seria regida pelos mesmos princípios e diretrizes e seria integrada pelo conjunto de todas as ações e serviços públicos prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração Direta e Indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público.
Isto é, os postos de saúde municipais, os centros de saúde estaduais, os postos de assistência médica do INAMPS, os hospitais federais, estaduais e municipais, os hospitais universitários seriam integrados em um único sistema, com unicidade conceitual e operativa, cuja direção seria única em cada esfera de governo: do Ministério da Saúde, no governo federal; das secretarias estaduais de saúde ou órgão equivalente, nos governos estaduais; e, das secretarias municipais de saúde ou órgão equivalente, nos governos municipais.
A repercussão deste movimento nas políticas públicas já se fez sentir durante a década de 80, no contexto de redemocratização do Estado brasileiro. Foram várias as políticas definidas para o setor da saúde que avançaram o projeto do movimento sanitário, dentre as quais destacamos duas de grande relevância para a estruturação do SUS: as Ações Integradas de Saúde (AIS), desenvolvidas no período 1981-1984, e o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), vigente no período 1987-1989. Outro marco decisivo para a formulação do SUS foi a realização, com ampla participação social, da VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986, cujas contribuições e relatório final constituíram subsídios fundamentais para a discussão da Assembleia Nacional Constituinte (1987/88), que elaborou e aprovou a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
As propostas do movimento sanitário foram amplamente veiculadas pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde-CEBES (1976), por meio da revista Saúde em Debate, de livros publicados e de seu quadro de associados, e pelas atividades e quadro de associados da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva – ABRASCO (1979).
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e a legislação infraconstitucional (Lei 8.080/1990) estabeleceram uma concepção ampliada de direito à saúde, afirmando-o como direito humano fundamental. O artigo 2º da Lei 8.080, lista como fatores determinantes e condicionantes da saúde a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais, concluindo que os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do país.
Portanto, a garantia desse direito exige do Estado a reformulação e execução de políticas econômicas e sociais voltadas à redução de riscos de doenças e de outros agravos. Esta concepção torna bastante complexa a compreensão das fronteiras setoriais e extra setoriais da ação governamental em saúde.
Os grandes objetivos e os campos de atuação do Sistema Único de Saúde estão apresentados nos artigos 5º e 6º da Lei 8.080/90. São objetivos do SUS: identificar e divulgar os fatores condicionantes e determinantes da saúde; formular a política de saúde destinada a promover, nos campos econômico e social, a redução de riscos de doenças e de outros agravos, bem como estabelecer condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para sua promoção, proteção e recuperação; e, assistir às pessoas por intermédio das ações assistenciais e das atividades preventivas.
Com estes objetivos, o SUS deve atuar por meio da formulação de políticas e da execução de ações de vigilância sanitária, vigilância epidemiológica e ambiental, saúde do trabalhador, assistência terapêutica integral (inclusive farmacêutica), vigilância nutricional, orientação alimentar e saneamento, e as relativas a política de sangue e hemoderivados. Além disso, deve incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico e ordenar e formar recursos humanos na área.
Ao SUS também compete expedir princípios éticos, normas e condições de funcionamento para os serviços privados de assistência médica no país e realizar convênios ou estabelecer contratos de direito público quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial em determinada área.
Por fim, integra o campo de atuação do SUS, atividades de articulação de políticas e programas de interesse para a saúde no âmbito de Comissões Intersetoriais de âmbito nacional, criadas com esta finalidade e subordinadas ao Conselho Nacional de Saúde, bem como atividades voltadas à integração entre os serviços de saúde e as instituições de ensino profissional e superior.
A Lei 8142/1990 instituiu duas “instâncias colegiadas” para a “participação da comunidade” na gestão do SUS em cada esfera de governo: a Conferência de Saúde e o Conselho de Saúde.
Dessas instâncias, participam os seguintes segmentos da sociedade: usuários dos serviços de saúde, prestadores de serviços, profissionais de saúde e governo. Esta lei assegura aos usuários representação paritária em relação ao conjunto dos demais segmentos tanto nas Conferências como nos Conselhos.
As Conferências de Saúde (municipais, estaduais e nacionais) convocadas pelo Poder Executivo, ou extraordinariamente pelos Conselhos de Saúde, devem ser realizadas a cada quatro anos com a representação destes segmentos sociais, para avaliação da situação de saúde e proposição de diretrizes para a formulação da política de saúde nas esferas de governo correspondentes. Antecedendo a realização de cada Conferência Nacional de Saúde há uma etapa de Conferências municipais e uma etapa de Conferências estaduais, nas quais são escolhidos os delegados de cada estado na etapa nacional. Os delegados das Conferências de Saúde são eleitos a partir de regras estabelecidas em regimento discutido nos respectivos Conselhos de Saúde.
Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 e das Leis 8080 e 8142/90, já foram realizadas quatro Conferências Nacionais de Saúde, que correspondem às 9ª (1992), 10ª (1996), 11ª (2000) e 12ª (2003), na história de conferências nacionais de saúde no país.
Os Conselhos de Saúde, cujo caráter permanente e deliberativo na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde (inclusive nos aspectos econômicos e financeiros) é assegurado na Lei 8142, tem sua organização e suas normas de funcionamento definidas em regimento próprio, aprovado pelos próprios conselhos, respeitadas as disposições legais estabelecidas, como, por exemplo, a de garantir a representação paritária dos usuários já mencionada.
O regimento é discutido e aprovado em plenária e regulamentado pelo órgão executivo ao qual está vinculado (o Ministério da Saúde, as Secretarias Estadual ou Municipal de Saúde). A organização e as normas de funcionamento do Conselho Nacional de Saúde servem de parâmetro para a organização e funcionamento dos conselhos estaduais e municipais.
As disposições sobre suas competências, composição, periodicidade das reuniões, funcionamento das sessões plenárias e formalização de suas deliberações foram regulamentadas por meio do Decreto nº 99.438, de 07 de agosto de 1990, antes mesmo da promulgação das Leis 8080 (19 de setembro de 1990) e 8142 (28 de dezembro de 1990).
O regimento e informações sobre a composição do plenário, os temas centrais da agenda, os resultados do trabalho das comissões intersetoriais permanentes, as deliberações do Conselho (resoluções), o conteúdo das reuniões (atas), os meios de contactar os conselheiros, entre outras.
A composição dos Conselhos pode sofrer modificações a cada novo mandato governamental. Portanto, para se manter atualizado é preciso visitar os sites a cada nova gestão. Outro aspecto importante é acompanhar as resoluções do Conselho e verificar se não ocorreu qualquer modificação no Regimento Interno, como por exemplo, as regras sobre a composição, o funcionamento e a estrutura de trabalho.
O estudo da influência das condições sociais sobre a saúde da população e vice-versa não é novo e articula-se, especialmente, à experiência histórica do movimento da medicina social na Inglaterra, França e Alemanha durante o século XIX.
Os estudos clássicos de Sigerist (1946) e Leavell e Clark (1965) orientados para a conceituação da promoção da saúde e das ações que integram o campo como o atendimento às necessidades nutricionais, a educação para a saúde, o estímulo ao lazer e ao esporte, a garantia de boas condições de trabalho, saneamento e habitação para o indivíduo e sua família, também contribuíram para o amadurecimento do debate.
Nos últimos 25 anos têm sido desenvolvidos um enfoque ainda mais abrangente que busca consolidar a perspectiva da saúde como uma das dimensões do desenvolvimento social. As medidas de prevenção de doenças e promoção da saúde preconizadas tendem, assim, a ultrapassar o indivíduo e as famílias e alcançar também o ambiente físico, sócio-cultural e político.
Um dos principais marcos deste processo é o Informe Lalonde, publicado pelo governo canadense em 1974 e que define 4 componentes principais da promoção da saúde: a biologia humana, o ambiente, os estilos de vida e a organização da atenção à saúde. O documento critica a intervenção pública no campo da saúde centrada unicamente na organização e distribuição de cuidados médicos.
Riscos epidemiológicos, hábitos alimentares, condições climáticas, deficiências individuais, perfil associativo da comunidade e fatores econômicos, por exemplo, são incorporados como elementos. Foram executadas pesquisas relevantes no processo de definição de prioridades políticas na área. Neste sentido o setor saúde, ou seja, o conjunto de políticas e intervenções públicas voltadas à promoção da saúde torna-se parte integrante do conjunto de ações orientadas ao bem estar coletivo e individual. No início da década de 80, os resultados do Black Report (1982) consolidaram evidências em torno das relações entre saúde e condições sociais na Inglaterra.
O relatório de Sir Douglas Black, publicado em 1972, 1986 e 1988, representa um importante ponto de inflexão na pesquisa em saúde. O estudo revisou as taxas de mortalidade segundo as diferentes classes socioeconômicas, a partir de 1911 e nas décadas seguintes.
A análise dos dados mostrou que, apesar das profundas modificações nas causas de morte, a tendência dos grupos sociais desfavorecidos apresentarem maiores taxas de mortalidade e menor esperança de vida ao nascer, persistiu no tempo.
À luz das desigualdades verificadas entre os perfis de morbidade e mortalidade dos indivíduos segundo sua posição social, a necessidade de estratégias e ações públicas não focalizadas apenas no “setor saúde’ ganharam ainda mais força e consistência. Outro marco decisivo no debate recente da promoção da saúde e no perfil de intervenção pública na área foi a I Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, realizada em Ottawa, Canadá, em novembro de 1986.
No evento foi promulgada a “Carta de Ottawa” a qual estabelece cinco principais estratégias combinadas: políticas públicas saudáveis, construção de ambientes favoráveis à saúde, ação comunitária, desenvolvimento de habilidades pessoais e reestruturação do sistema de saúde. Reflexões críticas sucessivas sobre o tema aconteceram, ainda, nas Conferências de Adelaide (1998), Sundsvall ( 1991) Bogotá (1992) Jacarta ( 1997) México (2000) e na Rede de Megapaíses para a Promoção da Saúde em Genebra, Suíça(1998).
Examinando os múltiplos determinantes da saúde e construindo compromissos públicos globais para a consolidação de ambientes saudáveis tornou-se, assim, consensual a avaliação de que a superação das diferenças nos resultados de saúde entre os grupos sociais impõem a intersetorialidade e, assim, a articulação dos objetivos de instituições sociais, políticas e econômicas em direção à equidade.
A associação entre desenvolvimento social e promoção da saúde desloca, portanto, o alvo da intervenção pública. As estratégias focalizadas apenas no perfil da atenção médica são revistas e ampliadas na direção da melhoria da qualidade de vida. Além disso, ganha destaque a perspectiva de empowerment ou “empoderamento”, ou seja, a liberdade de participar em decisões políticas, o fortalecimento das redes de apoio social e a reconfiguração das parcerias entre agentes locais são combinadas às novas formas de gestão do ecossistema e das condições de trabalho, educação e geração de renda .
As políticas públicas saudáveis são iniciativas que buscam recuperar as bases sociais do perfil diferenciado de saúde e doença, avaliando de maneira integral e plural as necessidades de saúde dos indivíduos e da comunidade. Leonard Duhl, em 1984, introduz a noção de cidade saudável para caracterizar práticas inovadoras ligadas à reforma urbana e melhoria das condições de vida desenvolvidas, principalmente, no Canadá e em países europeus.
O enfoque na qualidade de vida e o argumento de que a cidade, cada vez mais, torna-se o espaço privilegiado para a construção de projetos de desenvolvimento social são combinados em um movimento de reestruturação das políticas públicas. O amplo envolvimento intersetorial e a participação dos cidadãos na construção de soluções para os problemas prioritários são, assim, os princípios básicos da cidade saudável.
A partir daí, o conceito ganhou novas abordagens e foi difundido internacionalmente através de conferências e encontros realizados em vários países. A Carta de Compromisso com a Promoção da Saúde (Otawa,1986), referendada na Conferência de Adelaide (1988), apontou como elementos fundamentais para a promoção de políticas públicas e municípios saudáveis, a participação comunitária e a responsabilização dos governos nacionais, regionais e locais nas ações voltadas, prioritariamente, ao apoio à saúde da mulher, ao fim da fome e das carências nutricionais, à redução do consumo de tabaco e álcool e à proteção da população contra os riscos ambientais.
Experiências locais, porém, deram maior visibilidade às especificidades de cada contexto social. Poluição, qualidade da água ou redução da violência também tornaram-se importantes demandas no interior de um processo dinâmico de interação entre gestores, população, organizações e redes sociais. Diferentes pautas públicas consolidaram propostas criativas e singulares de políticas públicas e municípios saudáveis.
A complexidade e multidisplinaridade dos problemas de saúde vêm exigindo novas alianças e consensos buscando garantir o “aprendizado compartilhado”. Projetos e iniciativas públicas são integrados e territorializados. As exigências em torno da saúde passam a ser compatibilizadas às exigências de trabalho, renda, educação, lazer e cultura da população.
Os gestores municipais, a partir de sua experiência no processo de formulação e implementação de agendas sociais orientadas por problemas e necessidades locais, passam a protagonizar o processo de constituição de formas criativas de accountability e sustentação de redes sociais.
No Brasil, enfatizando o caráter multidimensional da saúde, possibilitou a maior familiarização com o debate e com os desafios políticos incorporados ao projeto de cidades e municípios saudáveis. Na verdade, as políticas públicas saudáveis envolvem um duplo compromisso: o compromisso político de situar a saúde no topo da agenda pública, promovendo-a de setor da administração a critério de governo, e o compromisso técnico de enfatizar, como foco de intervenção, os fatores determinantes do processo saúde-doença.
A saúde e não mais a doença, torna-se o alvo da intervenção pública e, o predomínio das práticas assistenciais é questionado. No desenho de novas atribuições públicas voltadas à construção de “ambientes sociais e físicos comprometidos com a saúde”, são incorporadas novas necessidades, demandas e sujeitos sociais. O intercâmbio e a interação entre instituições públicas, privadas, organizações governamentais e grupos voluntários são, assim, identificados como processos prioritários para a efetividade do compromisso com a construção de ambientes saudáveis.
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